domingo, abril 21, 2013

Pode ser Jesus a chamar


Um dia, Jesus andava a caminhar junto ao Templo de Jerusalém, no pórtico de Salomão, e foi rodeado por um grupo de homens. Recordemos o texto de S. João:

“Era inverno. Jesus passeava no templo, no pórtico de Salomão. Os judeus rodearam-No e perguntaram-Lhe: Até quando nos deixarás na incerteza? Se tu és o Cristo [isto é, o Messias], diz-nos claramente. Jesus respondeu-lhes: Eu vo-lo digo, mas não acreditais. As obras que faço em nome de meu Pai, estas dão testemunho de mim. Entretanto, não credes, porque não sois das minhas ovelhas” (João 10, 22-26).


Jerôme Nadal (ed.), Os Judeus rodeiam Jesus no Pórtico de Salomão (porm.)


Comenta Santo Agostinho: “Esses não procuravam a verdade, mas estavam a tramar uma cilada. Se era inverno e estavam cheios de frio, por que é que não faziam nada para se aproximarem daquele fogo divino? Aproximar-se significa acreditar. Quem crê, aproxima-se. Quem nega, afasta-se. A alma não se move com os pés, mas com o afecto do coração. Neles, tinha-se apagado totalmente o fogo da caridade, e ardia somente o desejo de fazer mal. Estavam muito distantes embora estivessem ali. Não se aproximavam pela fé, mas estavam à sua volta, perseguindo-O. Queriam ouvir dizer do Senhor: E sou o Messias. Mas do Messias tinham uma opinião somente humana” (Homilia 48 sobre o Evangelho de S. João, n. 3)

Jesus entristeceu-Se profundamente pela sua dureza de coração e pela sua falta de fé, e disse-lhes: “Vós não acreditais, porque não sois das minhas ovelhas” (João 10, 26).

No entanto, Jesus sabia que havia outros que ouviam com amor as suas palavras, como as ovelhas que reconhecem com alegria a voz do pastor, e vão com ele para toda a parte. E sobre estes, disse: “As minhas ovelhas escutam a minha voz. Eu conheço as minhas ovelhas, e elas seguem-Me. Eu dou-lhes a vida eterna” (João 10, 27-28).

Os que hoje são pastores em nome de Jesus –o Papa, os Bispos e os sacerdotes – é isto que têm de oferecer às suas ovelhas: a vida eterna. É para aí que as têm de encaminhar: para vida eterna. Tudo o resto é secundário. Tudo o resto é relativo. Volto ao comentário de Santo Agostinho: “Aqui está a pastagem. (…) A vida eterna é apresentada como uma boa pastagem. A erva não seca, onde tudo está sempre verdejante e cheio de vida. Nessa pastagem encontra-se somente a vida (ibid., n. 5).

Falando de novo das suas ovelhas, assegura Jesus: “E elas jamais hão-de perecer” (João 10, 28), subentendendo-se, segundo Santo Agostinho, que, aos que O rodeavam, Jesus quer advertir: “E vós perecereis eternamente, porque não sois das minhas ovelhas(ibid., n. 6).

Jesus acrescenta ainda, falando das suas ovelhas: “E ninguém as arrebatará da minha mão” (João 10, 28). É evidente que sempre houve e há, também hoje, muitas, dificuldades, perseguições, tentações de todo o tipo, que nos poderiam afastar de Jesus, mas nunca ninguém o conseguirá, se nós não consentirmos, porque foi o Pai que nos deu a Jesus, “e ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai” (João 10, 29).  

Isto implica que podemos viver a nossa fé com a consciência dos muitos perigos que a rodeiam, mas também com grande confiança: fomos dados a Jesus pelo Pai, e por isso acreditamos que ninguém nos pode roubar da mão de Jesus, ninguém nos pode arrebatar da mão do Pai.

Pergunta Agostinho: “Que pode fazer o lobo? Que podem fazer o ladrão e o salteador? (...) Destas ovelhas, o lobo não pode arrebatar nenhuma, nem o ladrão roubar, nem o salteador matar. Aquele que sabe o quanto pagou por elas, está seguro do seu número” (ibid., n. 6).

Este episódio que teve lugar no Templo, no pórtico de Salomão, termina de uma maneira dramática. Jesus disse-lhes claramente: “Eu e o Pai somos um” (João 10, 30). Então “os Judeus pegaram de novo em pedras para o apedrejar” (João 10, 31). Jesus defende-Se, argumentando que as suas obras revelam que está unido ao Pai: “o Pai está em mim e eu no Pai” (João 10, 38). “Procuraram então prendê-lo, mas Ele escapou-Se das suas mãos” (João 10, 39). Foi a última vez que esteve no Templo. Não mais lá voltou. Nessa altura, foi para além do Jordão, e muitos acreditaram n’Ele (João 10, 42).

Quanto a nós, sabemos bem que tudo começa pela escuta da voz do Bom Pastor: “As minhas ovelhas escutam a minha voz” Depois é que vem o conhecimento e o seguimento: “Eu conheço as minhas ovelhas, e elas seguem-Me”. É necessário dispormo-nos a escutar, baixar o ruído à nossa volta, fazer silêncio para ouvir, procurar captar e entender, e depois seguir o Pastor.

Estas palavras de Jesus, no entanto, põem-nos uma questão: como podemos escutar a sua voz?
Escutamos Jesus, principalmente, na leitura do Santo Evangelho, na nossa oração pessoal e na Liturgia da Igreja. Todos temos a experiência de que é assim.

No entanto, também sabemos que nunca ninguém ouviu Jesus na intimidade do seu coração, sem que primeiro, antes, alguém lhe tenha já feito pelo menos um primeiro anúncio de Jesus. Não se descobre Jesus por simples meditação, mas pelo testemunho de um outro cristão, que já vive a graça de fé. Sem haver um primeiro anúncio de Jesus Cristo, feito por um outro cristão, será impossível conhecê-Lo e amá-Lo.

Nos Actos dos Apóstolos, lemos como Paulo e Barnabé anunciavam Jesus Cristo em várias cidades da Ásia Menor. Numa dessas cidades, Antioquia da Pisídia, (na actual Turquia), houve muitos Judeus e prosélitos, isto é, convertidos ao judaísmo, que, após a pregação de S. Paulo, passaram a seguir os dois apóstolos, e “no sábado seguinte, reuniu-se quase toda a cidade para ouvir a palavra do Senhor” (Actos 13, 44). Como era de prever, surgiram invejas e blasfémias por parte dos Judeus, e então Paulo e Barnabé perceberam que deviam voltar-se especialmente para os gentios. Sentiram que era necessário fazê-lo, e era isso que Deus queria. Naturalmente, quando ouviram isto, “os gentios encheram-se de alegria, e glorificavam a palavra do Senhor” (Actos 13, 48). Houve grande entusiasmo e muitas conversões! É claro que também houve logo perseguições, Paulo e Barnabé foram expulsos da cidade, e tiveram que seguir para uma cidade vizinha, Icónio, mas não se afligiram por causa disso, e “os discípulos estavam cheios de alegria e do Espírito Santo” (Actos 13, 52).

Qualquer cristão pode falar de Jesus a outra pessoa? Sim, este anúncio de Jesus, que conduz á fé, cada cristão pode fazê-lo, com toda a naturalidade, em todas as circunstâncias, a qualquer outra pessoa, mas há alguns, por vontade de Deus, como S. Paulo e os outros Apóstolos, que são especialmente consagrados para o fazerem. E é necessário que seja assim. Faz parte da dinâmica da vida cristã, que alguns dediquem a sua vida ao anúncio de Jesus Cristo e ao serviço dos seus irmãos. Como escreveu o Beato João Paulo II na sua mensagem para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações de 2004, “trata-se de homens e mulheres que aceitam colocar a existência totalmente ao serviço do seu Reino”.

Não é uma simples decisão sua, mas é Deus que os chama, na Igreja, para o bem de todos. E é por isso que hoje todos nos unimos em oração ardente pelas vocações de especial entrega a Deus, e em particular pelas vocações ao sacerdócio, à vida consagrada e ao serviço missionário. É necessário pedir confiadamente a Deus estas vocações. João Paulo II dizia que é preciso implorar este dom “com insistência e humildade confiante”.

Nas paróquias e nas famílias esta oração deve ser constante. Além da oração, podemos oferecer com amor sofrimentos e sacrifícios pelas vocações. O Beato João Paulo II, que conhecia por experiência, sobretudo na fase final da sua vida, o que é o doença e o sofrimento que a acompanha, lembrava que “muitos doentes, em todas as partes do mundo, unem os seus sofrimentos à Cruz de Jesus, para implorar vocações santas!” E depois, falando de si próprio, dizia com gratidão: “Eles acompanham-me espiritualmente também a mim, no ministério de Pedro que Deus me confiou, e oferecem à causa do Evangelho uma contribuição inestimável, embora muitas vezes de modo totalmente oculto”. Que podemos também nós oferecer, para que haja mais vocações sacerdotais e outras vocações de total dedicação ao anúncio de Jesus Cristo?

Aqueles que Jesus chama são pessoas normais, habitualmente jovens, iguais aos outros jovens da sua idade, rapazes ou raparigas. E às vezes acontece, quando menos se espera, que se começa a ouvir um apelo especial. É Jesus que chama. Em alguns casos, torna-se logo uma evidência. Noutros, talvez mais frequentes, não se tem logo a certeza. E então começa um caminho, que pode ser longo, de procura e discernimento.

Se alguém sentir esse apelo especial de Jesus, não feche o coração. Procure ouvir melhor. Pode ser Jesus a chamar. E, se for Jesus, um dia ouvirá nitidamente. O Bom Pastor fala claramente. A sua voz é inconfundível. E aquilo que um dia pode ter sido uma surpresa, então será uma certeza. Mas é preciso que as vozes do mundo não se sobreponham à voz do Senhor.

1 comentário:

  1. Sim,pode ser Jesus.
    Como podemos fechar a porta a algo infinitamente bondoso e infinitamente belo, ou seja, puro amor?
    Impossível!
    Não obstante, como seres humanos, imperfeitos e limitados que somos, seja-nos por vezes difícil comprender, alguns dos desígnos de Deus apesar da nossa fé.
    Por essa razão é preciso preseverança e não dar espaço ao relativismo moral.
    As imagens de, Jerôme Nadal, são muito bonitas.
    Célia Fonseca

    ResponderEliminar