Uma
tarefa de amor
O
Evangelho de S. João, no seu último capítulo, diz-nos que Jesus ressuscitado confiou a
Pedro uma missão. É a missão mais extraordinária e de maior responsabilidade
que alguma vez foi confiada a um ser humano. “Apascenta os meus cordeiros… Apascenta
as minhas ovelhas” (João 21, 15-17). Pedro desempenhou-a até ao dia em que se cumpriu este
anúncio de Jesus: “… outro te cingirá e te levará para onde não queres” (João 21, 18), isto
é, até ao dia da sua morte. Pedro morreu em Roma, no ano 64, crucificado como
Jesus. Uma fonte muito antiga diz-nos que Pedro, por humildade, pediu para ser
crucificado de cabeça para baixo. Pedro deu a vida, como Jesus, mas a sua
missão prosseguiu naqueles que lhe sucederam, até hoje, até ao Papa Francisco,
e assim continuará a ser, até ao fim dos tempos.
Pedro
recebeu de Jesus uma responsabilidade maior que ele, maior que o seu coração. O
mesmo aconteceu com o conjunto dos Apóstolos. Jesus confiou-lhes o mundo
inteiro, todos os homens de todos os tempos. Quando o Papa, sucessor de Pedro,
avalia a grandeza divina da missão que Jesus Cristo lhe confiou; ou quando um
bispo, sucessor dos Apóstolos, sente até onde chega a sua missão pastoral; ou
até quando um sacerdote toma consciência de que Jesus lhe confiou os seus
irmãos, como pastor das suas almas, acredito que só pode haver um sentimento: é
uma missão maior que o coração humano. Como é possível aceitá-la, como é
possível cumpri-la?
Se
fosse uma simples tarefa humana, seria impossível. Ou então, só poderia ser
realizada por pessoas muito excepcionais. Mas Jesus quis que fosse realizada
por pessoas normais, como Pedro, pescador da Galileia. É possível? Sim, mas com
uma condição: que o seu coração seja engrandecido pelo amor a Jesus. Por isso,
Jesus ressuscitado perguntou a Pedro, não apenas uma, mas três vezes: “Simão,
filho de João, tu amas-Me?” Inicialmente, e porque a missão de Pedro é única e
singular na Igreja, Jesus perguntou-lhe: “Tu amas-Me mais do que estes?” Mas
depois, nas duas vezes seguintes, Jesus perguntou apenas: “Tu amas-Me?” E Pedro,
com absoluta transparência e sinceridade, respondeu, sem esconder a tristeza
pelo seu fraco amor passado, mas agora com uma força nova, e confiando
plenamente em Jesus: “Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo”.
A
missão que Jesus Cristo confiou a S. Pedro, bem como aos Apóstolos e aos seus
sucessores e colaboradores, não é uma simples tarefa humana, é um «amoris officium», um «ofício de amor»,
como diz Santo Agostinho: “Sit amoris officium pascere dominicum gregem” (“Que
seja uma tarefa e um dever de amor apascentar o rebanho do Senhor”: In Iohannis Evangelium Tractatus 123,5).
Só
este amor a Cristo é que permite cumpri-la. Sem ele, seria impossível! No
entanto, este amor a Cristo, que permite a alguns homens dedicar a sua vida ao
serviço da fé dos seus irmãos, é Cristo que o dá. É Ele que chama, é Ele que
envia, é Ele que confia àqueles que entende, esta missão e a sua imensa
responsabilidade.
Na
Igreja, a função pastoral foi sempre uma «tarefa de amor». É por isso que é
normal e muito conveniente que aqueles que a exercem como bispos ou sacerdotes
vivam a sua vocação na radicalidade interior de uma entrega total. Os
sacerdotes não se casam, não porque não admirem o matrimónio ou não respeitem os casais
que vivem em matrimónio, muito pelo contrário, mas porque a sua vida tem a
dinâmica de uma entrega total, por amor, a Jesus Cristo e à Igreja. Assim, o seu
coração não se estreita, mas engrandece-se, e torna-se capaz de estar atento a
cada um, e de servir cada um, segundo as suas circunstâncias particulares e as
exigências pessoais do seu caminho para Deus.
Pode objectar-se que também há pessoas que vivem na sua profissão muito dedicadas aos
outros, e se casam normalmente: por que não os sacerdotes? Sim, é verdade, mas
o celibato dos sacerdotes é o sinal de uma escolha e de uma consagração feita
por Jesus a alguns dos seus irmãos ao serviço de todos, e é o sinal desta
entrega total, em resposta ao chamamento inteiramente livre e gratuito de Jesus.
Que
ninguém tenha medo, se for chamado por Jesus Cristo por este caminho! Como é um
dom do Coração de Jesus, é preciso pedir-Lhe que o dê! Na sua Carta aos
sacerdotes, da Quinta-Feira Santa de 2004, escreveu o Papa Beato João Paulo II:
“Na verdade, as vocações são um dom de Deus, que se devem suplicar
incessantemente. (…) A oração, enriquecida pela oferta silenciosa do
sofrimento, é o primeiro e mais eficaz meio da pastoral vocacional. Rezar é
manter fixo o olhar em Cristo, confiando que d’Ele mesmo, único sacerdote, e da
sua divina oblação, brotam abundantemente, pela acção do Espírito Santo, os
germes de vocação necessários em cada época para a vida e a missão da Igreja”
(n. 5).
No
final do diálogo que o Evangelho de S. João descreve, Jesus disse a Pedro, simplesmente:
“Tu segue-Me” (João 21, 22) (em
latim: “Tu me sequere”). É tão simples e tão fácil como isto: seguir Jesus, ir com Ele,
nunca se afastar d’Ele, para dar a vida por todos, como Jesus, e a todos e cada
um ajudar a crescer no amor a Deus e na santidade da vida cristã.
Na
Igreja, todos vivemos a alegria da fé e o assombro de reconhecer a presença de
Jesus ressuscitado no meio de nós. Precisamos de pedir para todos esta
capacidade de reconhecimento imediato de Jesus na nossa vida, como o discípulo
"a quem Jesus amava", que exclamou com grande alegria: “É o Senhor” (João 21, 7). E pedimos também o
entusiasmo e a prontidão de Simão Pedro: “quando ouviu dizer que era o Senhor” (João 21, 7),
lançou-se ao mar, para se encontrar com Jesus quanto antes, porque tinha um
grande desejo de estar com Jesus, e nunca se separar d’Ele.
O segredo da vida da Igreja é
realizar fielmente, em cada momento, o que Jesus nos pede. Naquela noite, os
discípulos tinham ido pescar, mas “não apanharam nada” (João 21, 3). Mas, “ao romper da manhã”, o
próprio Jesus ressuscitado, ainda antes de ser reconhecido, disse aos
discípulos: “«Lançai a rede para a direita do barco e encontrareis». Eles
lançaram a rede, e já mal a podiam arrastar por causa da abundância de peixes” (João 21, 4-6).
Se formos dóceis ao que Jesus nos disser, pela voz da Igreja, na direcção
espiritual ou no silêncio da nossa oração, seremos surpreendidos pela
fecundidade extraordinária dos nossos esforços.
Naquele dia, Jesus preparou com
grande carinho uma refeição aos seus discípulos. Hoje, com infinito amor,
alimenta-nos com o Pão santíssimo da Eucaristia. Que nenhuma dificuldade ou
incompreensão silencie o nosso anúncio de Jesus Cristo, e que as nossas vozes se
juntem ao louvor tributado pelo universo inteiro, pelos anjos e por todos os
santos “Àquele que está sentado no Trono, e ao Cordeiro”, como diz o Livro do
Apocalipse. A Ele “o louvor e a honra, a glória e o poder, pelos séculos dos
séculos” (Apocalipse 5, 13).
" Mergulhar" no sacerdócio, claro que é um tarefa de amor enviada pelo espiríto santo.
ResponderEliminarUm dom atribuído a seres muito especiais.
Sempre interessante o que escreve e a forma como expõe as ideias.
Uma Boa Páscoa!
Célia Fonseca