sábado, abril 13, 2013

A fé é um salto para o abismo?

A fé é um salto para o abismo?
 
1. No relato das aparições de Jesus ressuscitado, segundo o Evangelho de S. João, podemos distinguir dois momentos, e depois deles um terceiro, que acontece no presente. Primeiro, a vinda de Jesus na tarde daquele dia, “o primeiro da semana”: “Veio Jesus, colocou-Se no meio deles, e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor” (João 20, 19-20).
Na madrugada desse dia, já Maria Madalena tinha visto a pedra retirada do sepulcro: “Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde O puseram” (João 20, 2). Alertados por ela, Pedro e o “outro discípulo” correram ao sepulcro. Diante dos sinais da morte de Jesus, as ligaduras e o sudário, que agora eram sinais de vida, o discípulo que acompanhava Pedro “viu e acreditou” (João 20, 8).
A eles se refere Jesus, ao dizer a Tomé, oito dias depois: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que acreditaram sem terem visto” (João 20, 29). É bom notar que a forma correcta do verbo, no texto original, é: acreditaram, e não: acreditam. (Veja-se a versão da Neo-Vulgata: “Dicit ei Iesus: «Quia vidisti me, credidisti. Beati, qui non viderunt et crediderunt!»”). Pedro e o outro discípulo, antes de verem Jesus, acreditaram na sua ressurreição. Viram os sinais, e acreditaram no mistério.
Jerôme Nadal (ed.), Aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos e a Tomé
 
Daqui podemos concluir que a fé não é cega nem irracional. Apoia-se em sinais, em factos carregados de significado, que são como setas que mostram o caminho e conduzem o homem até ao próprio mistério de Deus. Hoje, quase dois mil anos depois, a nossa fé apoia-se no testemunho daqueles que viram: primeiro, viram os sinais – o túmulo vazio, o sudário, as ligaduras – e depois viram o próprio Jesus ressuscitado. Julgamos que o seu testemunho é digno de crédito, até porque deram a vida por aquilo que anunciaram. Apoiados nesse testemunho, também nós acreditamos, e a nossa fé é luminosa e serena, tranquila e forte.
2. O segundo momento é o diálogo, muito breve, entre Tomé, “um dos Doze”, que “não estava com eles quando veio Jesus”. Estes disseram-lhe: “Vimos o Senhor”. Mas ele respondeu-lhes: “Se não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, se não meter o dedo no lugar dos cravos e a mão no seu lado, não acreditarei” (João 20, 24-25). Tomé recusa o testemunho dos seus companheiros, e com isto arrisca-se a ficar definitivamente separado de Cristo e separado dos outros.
Relendo este diálogo, podemos compreender melhor o que é a Igreja. A Igreja é uma comunidade de fé, que vive o mistério da ressurreição de Cristo. Quando entramos nela, a primeira coisa que nos dizem é: «Vimos o Senhor». Isto foi o que nos disseram os Apóstolos.
E porque foi isto que nos disseram os Apóstolos, as primeiras palavras que a Igreja diz a quem a procura ou nela entra são: «Jesus ressuscitou». Se aceitamos este anúncio, experimentamos a comunhão da Igreja, graças à qual “todos os que haviam abraçado a fé viviam unidos e tinham tudo em comum”, como lemos nos Actos dos Apóstolos (2, 44). Se o recusarmos, como inicialmente o recusou Tomé, mergulhamos na solidão e no cepticismo. Ficamos sós, com os nossos preconceitos e com o nosso egoísmo.
Tomé, porém, não ficou só, porque o próprio Jesus, “oito dias depois”, o retirou da solidão e da dúvida, mostrando-lhe as cicatrizes gloriosas da sua Paixão, e dizendo-lhe, com um tom imperioso e amigo ao mesmo tempo: "Deixa de ser incrédulo, torna-te crente!"
E S. Tomé não se limita a reconhecer, com uma certa vergonha e arrependimento: «Tinham razão, era verdade...» Mas faz um extraordinário acto de fé, que o leva muito para além do que os seus olhos vêm. Tomé vê a humanidade ressuscitada de Jesus Cristo, e reconhece a sua divindade: “Meu Senhor e meu Deus” (João 20, 28). Vê o sinal da humanidade glorificada de Jesus, e crê na divindade, que os seus olhos não podiam ver. Afinal, também Tomé deu este salto – dos sinais para o mistério, do visível para o invisível, que define o acto de fé, este passo em frente, que também nós damos, que não nos lança no abismo, mas nos braços de Deus.
3. Terceiro momento: hoje. A liturgia do 2º Domingo da Páscoa convida-nos a fazer o mesmo acto de fé em Jesus ressuscitado que os Apóstolos fizeram, e a dar com eles este passo em frente, para além do que vemos ou sentimos.
Diante de Jesus ressuscitado também nós dizemos: «Meu Senhor e meu Deus». Mas, ao proceder assim, permitimos que Jesus Cristo nos leve mais longe do que alguma vez podíamos tínhamos imaginado, no sentido de uma vida cristã mais coerente, mais exigente, mais radical.
É isto, no fundo, que significa celebrar a Páscoa: um grande deslumbramento, que nos conduz a um novo seguimento de Jesus Cristo, a um compromisso total, a uma obediência alegre, a uma entrega incondicional.

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