Preparar o Conclave
Michelangelo Buanarroti, Interior da Capela Sistina (1475-83; 1508-12; 1535-41) |
Antes do início do Concílio Vaticano II, o Papa João
XXIII escreveu uma Encíclica, em que convidava toda a Igreja a uma preparação
intensa do grande acontecimento eclesial que já estava muito próximo.
Este seu apelo terá sido correspondido pelos católicos
daquele tempo?
Não temos maneira de saber, nem nos é possível julgar
– a não ser pelos frutos – se assim foi ou não.
De resto, Bento XVI no seu último encontro
com o clero de Roma, em 14 de Fevereiro passado, já depois de ter
anunciado a sua renúncia, fez uma sugestiva avaliação do Concílio, ou antes,
dos dois Concílios que acabaram por existir.
Referiu que existia “o verdadeiro Concílio – mas havia
também o Concílio dos meios de comunicação”. E foi este que predominou, e criou
“tantas calamidades, tantos problemas, realmente tanta miséria: seminários
fechados, conventos fechados, liturgia banalizada..., enquanto o verdadeiro
Concílio teve dificuldade em se concretizar, em ser levado à prática”.
Conclui, porém, afirmando a sua convicção de que é
agora, passados cinquenta anos, que “se afirma o verdadeiro Concílio com toda a
sua força espiritual”. E terminou deste modo o seu longo e emotivo discurso ao
clero de Roma, já com sabor de despedida:
“E é nossa missão, precisamente neste Ano da Fé,
começando deste Ano da Fé, trabalhar para que o verdadeiro Concílio, com a própria
força do Espírito Santo, se torne realidade e seja realmente renovada a Igreja.
Temos esperança de que o Senhor nos ajudará. Eu, retirado, com a minha oração
estarei sempre convosco e, juntos, caminhemos com o Senhor, na certeza de que
vence o Senhor!”
Recuando agora no tempo mais de 50 anos, será
interessante lembrar o que pediu João XXIII aos católicos, poucos meses antes
de se iniciar o Concílio Vaticano II.
Fê-lo através da Encíclica Paenitentiam agere (Fazer
penitência), publicada no 1° dia de Julho de 1962, ao tempo (e ainda hoje,
na Forma Extraordinária do Rito Romano) festa do Preciosíssimo Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo.
Já o título da Encíclica é muito expressivo: fazer
penitência! E começa assim:
“Fazer penitência pelos próprios pecados é, para o
homem pecador, segundo o explícito ensinamento de nosso Senhor Jesus Cristo, a
primeira condição, não apenas para solicitar o perdão mas ainda para chegar à
salvação eterna. Evidente se torna, pois, quão justificada é a atitude da
Igreja Católica, dispensadora dos tesouros da divina Redenção, a qual sempre
considerou a penitência como condição indispensável para o aperfeiçoamento da
vida de seus filhos e para seu melhor futuro” (n. 1).
E recorda o que ele próprio tinha feito logo na
convocação do Concílio:
“Por este motivo, na constituição apostólica de
convocação do Concílio Ecuménico Vaticano II, quisemos dirigir aos fiéis o
convite para dignamente se prepararem para o grande acontecimento não só com a
oração e com a prática ordinária das virtudes cristãs, mas também com a
mortificação voluntária” (n. 2).
Mas estava na altura, pensa João XXIII, de “renovar com
maior insistência a mesma exortação”. O Concílio iria começar poucos meses
depois, em 11 de Outubro desse ano!
Evoca então os apelos
à penitência no Antigo Testamento, salienta o lugar que teve a penitência no ensino de Jesus Cristo e dos
Apóstolos, e lembra o pensamento e a prática da Igreja ao longo dos séculos,
nomeadamente na preparação dos Concílios anteriores.
E finalmente exorta: é preciso que haja oração e
penitência.
Em cada diocese, na iminência do Concílio, deverá
haver “uma solene novena em honra do Espírito Santo”, e também “ uma função
penitencial propiciatória” (nn. 14-15).
Mas é sobre a penitência que se detém mais longamente.
Primeiro, a penitência interior:
“Antes de tudo é necessária
a penitência interior, isto é, o arrependimento e a purificação dos próprios
pecados, o que especialmente se obtém com uma boa confissão e comunhão, e com a
assistência ao sacrifício eucarístico. A este género de penitência deverão ser
convidados todos os fiéis durante a novena ao Espírito Santo. Vãs seriam, com
efeito, as obras exteriores de penitência se não fossem acompanhadas da limpeza
interior da alma e do sincero arrependimento dos próprios pecados. Neste
sentido deve-se entender o severo aviso de Jesus: «Se não fizerdes penitência,
todos igualmente perecereis» (Lucas 13, 5)” (n. 16).
Lemos este passo no Evangelho do 3º Domingo da
Quaresma (no Ano C), com uma tradução portuguesa diferente: “E se não vos
arrependerdes, morrereis todos de modo semelhante”. (Mas a tradução do texto da
Encíclica parece mais conforme com a versão latina da Vulgata e da Neo-Vulgata:
“Sed, si non paenitentiam egeritis, omnes similiter peribitis”.
E depois João XXIII fala da penitência externa:
“Além disto, devem os fiéis
ser convidados também à penitência exterior, quer para sujeitarem o corpo ao
comando da recta razão e da fé, quer para expiarem as suas culpas e as dos
outros (…). A primeira penitência exterior que todos devemos fazer é a de, com
ânimo resignado e confiante, aceitarmos de Deus todas as dores e sofrimentos
que se nos deparam na vida, e tudo o que importa fadiga e incómodo no exacto
cumprimento das obrigações do nosso estado, no nosso trabalho quotidiano e no
exercício das virtudes cristãs".
E continua:
“Além das penitências que
necessariamente temos de enfrentar pelas dores inevitáveis desta vida mortal, é
preciso que os cristãos sejam tão generosos a ponto de também oferecerem a Deus
mortificações voluntárias, à imitação do nosso divino Redentor, que, segundo a
expressão do príncipe dos apóstolos, «morreu uma vez pelos pecados, o justo
pelos injustos, a fim de vos conduzir a Deus. Morto na carne, foi vivificado no
espírito» (1 Pedro 3, 18)”. (…)
“Sirvam nisto de exemplo e
de incitamento também os santos da Igreja, cujas mortificações infligidas ao
seu corpo, não raro inocentíssimo, enchem-nos de admiração e quase nos
assustam. Ante esses campeões da santidade, cristã, como não oferecer ao Senhor
alguma privação ou pena voluntária da parte também dos fiéis, que talvez tantas
culpas tenham a expiar? Elas são tanto mais agradáveis a Deus quanto não vêm da
enfermidade natural da nossa carne e do nosso espírito, mas espontânea e
generosamente são oferecidas ao Senhor em holocausto de suavidade” (n. 17-19).
Assim se exprimiu João XXIII, e se estas suas palavras
nos parecerem surpreendentes, senão chocantes, isso dever-se-á apenas a que
esta dimensão da vida cristã foi esquecida e sistematicamente desprezada entre
nós, nomeadamente na catequese e na pregação, nas últimas décadas.
Mas temos de a recuperar, para alcançarmos a nossa santificação
e a conversão do mundo.
Mas agora aproxima-se a eleição de um novo Papa. A
Igreja parece fragilizada, e enfrenta tremendos problemas, cuja consciência
levou Bento XVI à grave e dolorosa decisão de renunciar ao exercício do
ministério petrino, para que outro Papa os possa enfrentar, com nova fortaleza
e capacidade de governo.
Que poderemos então fazer? No fundo, é simples: o que
pediu João XXIII.
Quase 51 anos depois, o que podemos e devemos fazer,
agora que estamos na iminência, não de um Concílio, mas de um Conclave que
elegerá o novo Papa, será recuperar os pedidos do Beato João XXIII, e
aplica-los ao momento actual, de cuja gravidade ninguém poderá ter dúvidas.
Em primeiro lugar, seguindo a sua primeira sugestão, também
hoje poderemos fazer uma novena em honra do Espírito Santo, para invocar sobre
os Cardeais proximamente reunidos em Conclave “a abundância das luzes celestes
e das graças divinas”
Um bom modo de realizar hoje esta novena será recitar
durante nove dias seguidos o hino «Veni Creator Spiritus». Transcrevo a seguir a letra
latina deste hino e uma possível tradução literal:
Veni, Creator Spíritus,
mentes tuórum visita,
imple supérna grátia, quae
tu creásti péctora.
Qui díceris Paráclitus,
altíssimi donum Dei,
fons vivus, ignis,
cáritas, et spiritális únctio.
Tu septifórmis múnere,
dígitus paternae déxterae,
tu rite promíssum Patris,
sermóne ditans gúttura.
Accénde lumen sénsibus;
infunde amórem córdibus,
infírma nostri córporis
virtúte firmans pérpeti.
Hostem repéllas lóngius,
pacémque dones prótinus;
ductóre sic te praevio
vitemus omne noxium.
Per te sciámus da Patrem,
noscamus atque Filium;
teque utriúsque Spíritum
credamus omni témpore.
Deo Patri sit glória, et
Fillio, qui a mórtuis
surréxit, ac Paráclito, in
saeculórum saecula. Amen.
|
Vinde Espírito Criador,
visitai as almas vossas,
enchei da graça do alto,
os corações que criastes.
Sois chamado Consolador, o
dom de Deus Altíssimo,
fonte viva, fogo,
caridade, e unção espiritual.
Sois formado de sete dons,
o dedo da direita de Deus,
Solene promessa do Pai que
inspira as palavras.
Iluminai os sentidos,
infundi o amor nos corações,
fortalecei para sempre os
nossos corpos enfermos.
Afastai o inimigo, dai-nos
a paz sem demora,
e assim guiados por Vós,
evitaremos todo o mal.
Fazei-nos conhecer o Pai,
e revelai-nos o Filho,
para acreditar sempre em
Vós, Espírito que de ambos procedeis.
Glória seja dada ao Pai, e
ao Filho, que da morte ressuscitou,
e ao Espírito Paráclito,
pelos séculos dos séculos. Amen.
|
Depois, poderá rezar-se a oração colecta da Missa pro
eligendo Pontifice, da Forma Extraordinária do Rito Romano:
Suplicamos, ó Deus, com
humildade: que a vossa imensa piedade conceda à Sacrossanta Igreja Romana um
Pontífice; que, por seu zelo por nós, possa ser-Vos agradável, e que seja
assíduo no Governo da Igreja para a glória e honra do Vosso nome. Por nosso
Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que convosco vive e reina na unidade do
Espírito Santo, Deus, por todos os séculos dos séculos. Amen.
Ou então a Colecta da Missa para a eleição do Papa ou
do Bispo, da Forma Ordinária do Rito Romano:
Ó Deus, pastor eterno, que
governais o vosso povo com providente solicitude, concedei à Igreja, pela vossa
bondade infinita, o pastor que seja do vosso agrado pela santidade da sua vida
e inteiramente consagrado ao serviço do vosso povo. Por Nosso Senhor Jesus
cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Amen.
Finalmente, será da maior oportunidade meditar e levar
à prática tudo o que João XXIII diz sobre a penitência.
E considerando que estamos na Quaresma, que é um tempo
penitencial por excelência, faz sentido que cada católico, sob a permissão ou a
orientação do seu confessor ou director espiritual, escolha uma penitência
especial e adicional pelo governo pastoral da Igreja e pela pesada
responsabilidade que será colocada sobre o Colégio Cardinalício, que muito em
breve vai reunir-se em Conclave.
Para que seja eleito um Papa sábio, santo e forte, um
Papa que não tenha medo dos lobos, e que governe com fortaleza a Santa Igreja.
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