Lemos no Evangelho de S. João o relato do primeiro
milagre de Jesus, em Caná da Galileia. S. João salienta que “estava lá a mãe de
Jesus”, e, como observa S. Tomás de Aquino no seu Comentário a S. João (Super Io., cap. 2 l. 1), foi em atenção
a Nossa Senhora que Jesus foi convidado. Não é de estranhar que fosse assim,
porque, nesse momento, Jesus era ainda praticamente um desconhecido, até os
próprios discípulos, que em breve deixarão tudo para seguir definitivamente
Jesus (Marcos 1, 16-20), ainda pouco sabiam d’Ele. Só a sua Mãe sabe muito bem
quem Ele é, e por isso o seu papel neste episódio é tão importante.
Jerôme Nadal, ed., As bodas de Caná da Galileia |
Mas que significa esta presença de Jesus nas bodas
de Caná?
Em primeiro lugar, em sentido espiritual, as bodas
significam a união de Cristo e da Igreja. Cristo é o Esposo da Igreja, e a
Igreja, sua Esposa. Falando do matrimónio, S. Paulo diz: “Este mistério é
grande, quero dizer, com referência a Cristo e à Igreja” (Efésios 5, 32). As
núpcias do Filho de Deus aconteceram, como explica S. Tomás de Aquino, quando o
Verbo encarnou e Se fez homem. Então o Filho de Deus Se uniu definitivamente
com a humanidade. Depois, “este matrimónio foi tornado público quando a Igreja
se uniu ao Verbo pela fé”. Destas núpcias diz o Apocalipse: “Chegaram as
núpcias do Cordeiro. Sua Esposa está preparada” (19, 7). Mas a sua plena
realização será na glória do Céu, como também se lê no Apocalipse: “Felizes os
convidados para a ceia das núpcias do Cordeiro” (19, 9).
Em segundo lugar, em sentido imediato ou histórico,
Jesus, ao participar nesta festa, mostra que não despreza o matrimónio entre o
homem e a mulher, nem simplesmente o tolera, mas que abençoa a união
matrimonial, e lhe dá as graças de que necessita para que possa ser aquilo que
é chamada a ser desde o início da humanidade: uma comunhão de amor e de vida.
O casamento é uma comunhão de duas pessoas, um
homem e uma mulher, que, na sua unidade e diversidade, querem ser, e se
comprometem a ser, um para o outro, um dom total.
Ele também é o ambiente humano natural e mais
adequado para a geração e crescimento de novas vidas. Nele se fundamenta a
família, como espaço alargado de encontro e convivência de diferentes pessoas e
diferentes gerações. O seu autor é Deus, e Deus é também o seu garante e o seu
defensor. Mas é necessário que toda a sociedade o admire e o defenda como um
«bem comum» que é extremamente importante para todos: casais, pessoas
solteiras, crianças, famílias e comunidades, e para a sociedade em geral.
Bento
XVI tem defendido energicamente a família contra graves ameaças que hoje a
afectam, e disse recentemente que, “na questão da família, não está em jogo
meramente uma determinada forma social, mas o próprio homem: está em questão, o
que é o homem e o que é preciso fazer para ser justamente homem” (Discurso à Cúria Romana, 21 de Dezembro de 2012).
Naquele dia, em Caná da
Galileia, o amor de Cristo pelos casais revelou-se de um modo imprevisível.
Aconteceu que a Virgem Maria, sempre atenta a tudo, disse a Jesus a dado
momento: “Não têm vinho”. Foi uma forma muito delicada de chamar a atenção de
Jesus para aquele problema dos noivos e pedir a sua intervenção. Maria foi,
junto de Jesus, a porta-voz carinhosa das angústias daquele casal.
Esta forma de intervir, por
parte de Nossa Senhora, é muito especial, revelando, como nota S. Tomás, “o seu
amor respeitoso em relação a Cristo”.
E explica
o Doutor Angélico: “No amor respeitoso que temos em relação a Deus, basta-nos
simplesmente apresentar a nossa indigência, segundo este versículo: “Senhor, diante de vós estão
todos os meus desejos, e o meu gemido não vos é oculto” (Salmo 37 [38], 10). De
que maneira Deus virá em nossa ajuda, não nos compete procurar sabê-lo, pois,
como diz o Apóstolo, não sabemos o que convém pedir nas nossas orações (Romanos
8, 26). É por isso que a Mãe de Jesus apresenta unicamente a Cristo a
indigência dos outros, dizendo: «Não têm vinho» ”.
A primeira reacção de Jesus, no
entanto, parece negativa: “Mulher, que temos nós com isso? Ainda não chegou a
minha hora”. Este modo de Jesus falar não revela dureza, mas profundidade. Foi
assim que Jesus falou a sua Mãe, do alto da Cruz, referindo-Se ao discípulo que
estava ao seu lado: “Mulher, eis o teu filho” (João 19, 26). Aqui, em Caná, deve
ter havido um breve silêncio, o olhar da Mãe cruzou-se com o olhar do Filho, e
Maria, habituada a meditar todas as coisas no seu coração, sentiu que o Filho
iria atender a sua súplica e adiantar o relógio da história da salvação e, sem
mais demoras, disse em voz baixa aos serventes: “Fazei tudo o que Ele vos
disser”.
Então, Jesus levanta-Se, e
manda-lhes encher de água as seis talhas de pedra que ali existiam, destinadas
à purificação dos judeus. Poderiam levar ao todo mais de 600 litros, era um
trabalho demorado e cansativo, mas eles obedeceram, e então o milagre acontece,
e toda aquela água preciosa mas sem sabor se transforma num vinho excelente,
para grande admiração do chefe de mesa, que estranha que só então se tenha
servido “o vinho bom”.
Terá sido só um milagre para
resolver um problema de uma festa de casamento? Não, foi muito mais do que
isso, foi uma primeira revelação do poder divino de Jesus, e em todo ele se
contém um novo e profundo simbolismo.
Ao presenciarmos este milagre, percebemos
a diferença que há entre o Antigo Testamento e o Novo: a água dos rituais de
purificação dos judeus transformou-se no vinho precioso do Evangelho e da graça
de Cristo. A água só servia para a limpeza corporal exterior, mas a graça de
Jesus Cristo renova e purifica o homem por dentro. A água, portanto, simboliza
a Antiga Aliança, à qual o povo foi sempre infiel, e o vinho representa a Nova
Aliança, que um dia será selada na perfeita obediência filial e no Sangue
precioso de Jesus Cristo derramado na cruz.
Quando se aperceberam do que
tinha acontecido, deve ter havido um certo alvoroço entre os presentes. É
provável que, nesse momento, Jesus, acompanhado pelos discípulos, se tenha
retirado discretamente. Tinha começado a era dos milagres, sinais dos tempos
messiânicos, tempos de abundância, de alegria, de reconciliação e de cura. Com
júbilo contemplativo, S. João observa que Jesus “manifestou a Sua glória, e os
seus discípulos acreditaram n’Ele”.
Como escreve S. Tomás, “tinham
antes de mais acreditado n’Ele como um homem de bem, que pregava uma doutrina
justa e recta, mas desde então passaram a acreditar n’Ele como Deus”.
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