domingo, janeiro 13, 2013

Epifanias de Cristo

O Baptismo de Jesus nos Jordão é uma segunda Epifania, termo que vem das palavras gregas epi, que significa sobre, e phania, que significa manifestação: assim como Jesus se manifestou aos Magos do Oriente, assim se manifesta agora no seu Baptismo como verdadeiro Filho de Deus. A esta segunda Epifania pode chamar-se, portanto, Teofania, de Theos, palavra grega que significa Deus: o baptismo de Jesus é manifestação de Deus, manifestação da Santíssima Trindade.

E haverá ainda uma terceira Epifania, que aconteceu em Caná da Galileia, quando Jesus converteu a água em vinho, (como leremos no Evangelho do próximo domingo; este texto, infelizmente, só se lê hoje no «Ano C»). Santo António de Lisboa, num dos seus sermões, depois de comentar os anteriores significados, chama-lhe Bethfania, de beth, em hebraico, que significa casa, “porque, passado um ano do baptismo, realizou um milagre divino entre as paredes de uma casa, numa festa de núpcias” (Sermão para a Epifania do Senhor, 2)

Estas três epifanias são celebradas desde há muitos séculos em dias distintos, como muito bem explica no seu blog o Pe. John Hunwicke. Mas há ainda alguns textos na liturgia latina que salientam a sua unidade, como esta antífona do Benedictus da Solenidade da Epifania do Senhor: “Hoje a Igreja uniu-se ao seu esposo celeste, porque, no Jordão, Cristo a lavou dos seus pecados; os Magos, com presentes, correm às festas das núpcias reais; e os convivas alegram-se com a água transformada em vinho. Aleluia”.

Esta unidade aparece ainda mais claramente na antífona do Magnificat das II Vésperas da Epifania:

Tribus miraculis ornatum  diem sanctum colimus: hodie stella magos duxit ad praesepium,  hodie vinum ex aqua factum est ad nuptias,  hodie in Jordane Christus baptizari voluit,  ut salvaret nos universos.  Haec est dies illa, quam fecit Dominus;  exsultemus et laetemur in ea. Alleluia”, que se pode traduzir assim, como propõe o Duarte Valério, no blog Ecce super montes:

“Celebramos um dia santo ornado de três milagres: hoje, a estrela conduziu os Magos ao presépio; hoje, foi feito vinho a partir de água nas núpcias; hoje, no Jordão, Cristo quis ser baptizado por João, para nos salvar. Aleluia”.

A tradução da Liturgia das Horas é esta: “Recordamos neste dia três mistérios: hoje a estrela guiou os Magos ao presépio; hoje, nas bodas de Caná, a água foi mudada em vinho; hoje, no rio Jordão, Cristo quis ser baptizado, para nos salvar. Aleluia”.

O tempo da Epifania, em sentido lato, é portanto um período de celebração contemplativa e de reflexão profunda sobre as múltiplas manifestações do Deus-Homem, Jesus Cristo.
 
Como aconteceu esta segunda Epifania de Cristo, o seu Baptismo? Os quatro Evangelhos, embora com matizes diferentes, mostram-nos que Jesus, um dia, se integrou silenciosamente na multidão dos que esperavam o baptismo de João. Sem nenhum gesto, sem nenhuma palavra, como acontece muitas vezes na nossa vida; quase não damos por Ele, naquele momento não O reconhecemos... Mas Jesus está ali, e não é apenas um de nós, não é somente um amigo, é o próprio Filho de Deus junto de nós.

Assim aconteceu naquele dia: “quando todo o povo recebeu o baptismo, Jesus também foi baptizado”. Parece ser apenas mais um, mas não: Jesus é o Messias, que nos procura, que vem ter connosco, onde quer que estejamos, e vem sem nenhum poder humano, apenas com a força do seu infinito amor e da sua misericórdia. 
 

Piero della Francesca, Baptismo de Cristo (1448-1450)
 

O Evangelho diz-nos que, depois de descer às águas, Jesus permanece em oração. Esta é uma preciosa informação de S. Lucas, que não podemos passar em claro: o ministério de Jesus começa com a oração, e termina com a oração (Lucas 22, 46).

A oração de Jesus é modelo e exemplo para nós, mas principalmente revela a sua plena união com o Pai, manifesta que Jesus Cristo vive, também como homem, uma perfeita sintonia com a vontade do Pai e uma perfeita contemplação da face do Pai.

E o Pai corresponde a esta perfeita obediência e intimidade filial de seu Filho.

S. Lucas diz-nos que, “enquanto orava, o Céu abriu-se, e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corporal, como uma pomba”. “O Céu abriu-se”, quer dizer, vai começar a definitiva revelação de Deus aos homens. E o Espírito Santo, que já habitava na humanidade de Cristo, vai impeli-Lo nesta nova etapa da história da salvação, para libertar os que estavam sob o domínio de Satanás e anunciar a boa nova aos pobres.

Depois, o próprio Jesus ouve estas palavras que Lhe são dirigidas a Si, exclusivamente: “ «Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus toda a minha complacência”.

No entanto, também para nós é muito importante ouvi-las. Ao convidar-nos a escutar estas palavras, no momento em que Jesus Cristo vai iniciar a sua caminhada pela Galileia, para proclamar o Reino de Deus em palavras e obras, S. Lucas quer anunciar-nos de novo quem é Jesus: Ele é o Filho que quis tornar-Se Servo, como anuncia Isaías, para cumprir em nosso favor, com a sua fragilidade humana e o seu poder divino, o plano do Pai. Jesus não é um simples homem nem um profeta excepcional, é o “Filho muito amado”, que aceita morrer e dar a vida por todos. Cristo aceita mergulhar na morte, como mergulhou nas águas do Jordão, para que também nós possamos ser, n’Ele, filhos de Deus.

O baptismo, enquanto imersão nas águas, é uma espécie de sepultura, a que depois se segue, na emersão, uma espécie de ressurreição. O baptismo de Jesus anuncia assim o nosso próprio baptismo, em que «imergimos» na morte de Cristo para podermos «emergir» com Ele, isto é, participar na sua ressurreição. Diz-nos S. Paulo: “Ou ignorais que todos os que fomos baptizados em Jesus Cristo, fomos baptizados na sua morte? Fomos, pois, sepultados com Ele na sua morte pelo baptismo para que, como Cristo ressurgiu dos mortos pela glória do Pai, assim nós também vivamos uma vida nova. Se fomos feitos o mesmo ser com ele por uma morte semelhante à sua, sê-lo-emos igualmente por uma comum ressurreição (Romanos 6, 3-5).

Esta identificação com Cristo manifesta-se na vida, em tantas escolhas que fazemos, e também na liturgia, que precisamos de viver mais intensamente e mais piedosamente. A liturgia tem que ser oração e ao mesmo tempo, expressão de entrega.

 

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