terça-feira, fevereiro 19, 2013

O novo movimento litúrgico que Bento XVI desejou

O Cardeal António Cañizares Llovera, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, deu, em Dezembro de 2010, uma entrevista a Il Giornale, (acessível aqui), e que se reproduz abaixo, em tradução portuguesa.
Quando se multiplicam as expressões de gratidão para com Bento XVI, não seria justo esquecer o que fez pela liturgia.
 
 
Bento XVI celebra Missa no Terreiro do Paço (10.05.2010)
 

 
É verdade que Bento XVI fez mais do que aquilo que Cañizares refere nesta entrevista. Seria justo, por amor pela verdade histórica, mencionar também a liberalização, pelo Papa, mediante o motu próprio Summorum Pontificum, de 7 de Julho de 2007, (ver aqui uma tradução portuguesa), da celebração do rito romano antiquior, («mais antigo»), ou seja, a permissão do “uso do Missal de 1962, como Forma extraordinária da Liturgia da Missa”, tal como Bento XVI explicou na Carta que dirigiu aos Bispos na ocasião.
 
De tudo o que o Cardeal Cañizares refere, destaca-se, no entanto, a afirmação de que Bento XVI desejou “um novo movimento litúrgico”.

Embora discretamente, este “novo movimento litúrgico” está já a acontecer em muitas partes do mundo, e o seu fruto será certamente aprofundar a compreensão da liturgia como encontro com o mistério.




 
Bento XVI celebra Missa na Catedral de Westminster (18.10.2010)
 
 
 
O novo movimento litúrgico que Bento XVI desejou
 
A liturgia católica vive “uma certa crise” e Bento XVI quer dar vida a um novo movimento litúrgico, que traga novamente mais sacralidade e silêncio na Missa e mais atenção à beleza no canto, na música e na arte sacra. O Cardeal António Cañizares Llovera, de 65 anos, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, que enquanto bispo na Espanha era chamado de “o pequeno Ratzinger”, é o homem ao qual o Papa confiou esta tarefa. Nesta entrevista a Il Giornale, o “ministro” da liturgia de Bento XVI revela e explica programas e projectos.
 
Como cardeal, Joseph Ratzinger tinha lamentado uma certa pressa na reforma litúrgica pós-conciliar. Qual é a sua opinião?

A reforma litúrgica foi realizada com muita presa. Havia óptimas intenções e o desejo de aplicar o Vaticano II. Mas houve precipitação. Não se deu tempo e espaço suficientes para acolher e interiorizar os ensinamentos do Concílio. De uma vez, mudou-se o modo de celebrar. Recordo bem a mentalidade então difundida: era preciso mudar, criar alguma coisa nova. Aquilo que havíamos recebido, a tradição, era vista como um obstáculo. A reforma foi compreendida como obra humana; muitos pensavam que a Igreja fosse obra de nossas mãos e não de Deus. A renovação litúrgica foi vista como uma pesquisa de laboratório, fruto da imaginação e da criatividade - a palavra mágica de então.
 
Como cardeal, Ratzinger desejou uma “reforma da reforma” litúrgica, palavras actualmente impronunciáveis, mesmo no Vaticano. Todavia, parece evidente que Bento XVI a deseja. Pode falar-nos dela?
Não sei se se pode ou se é conveniente falar de “reforma da reforma”. O que vejo absolutamente necessário e urgente, segundo o que deseja o Papa, é dar vida a um novo, claro e vigoroso movimento litúrgico em toda a Igreja. Porque, como explica Bento XVI no primeiro volume de sua Opera Omnia, na relação com a liturgia decide-se o destino da fé e da Igreja. Cristo está presente na Igreja através dos sacramentos. Deus é o sujeito da história, não nós. A liturgia não é uma acção do homem, mas é acção de Deus.


O Papa, mais que com decisões impostas de cima, fala com o exemplo. Como ler as mudanças introduzidas por ele nas celebrações papais?
Antes de tudo, não deve haver nenhuma dúvida sobre a bondade da renovação litúrgica conciliar, que trouxe grandes benefícios para a vida da Igreja, como a participação mais consciente e activa dos fiéis e a presença enriquecida da Sagrada Escritura.
Mas, além destes e outros benefícios, não faltaram sombras, surgidas nos anos seguintes ao Vaticano II: a liturgia, isto é um facto, foi “ferida” por deformações arbitrárias, provocadas também pela secularização que desgraçadamente atinge também o interior da Igreja. Consequentemente, em muitas celebrações, já não se coloca Deus no centro, mas o homem e o seu protagonismo, a sua acção criativa; o papel principal é dado à assembleia. A renovação conciliar foi entendida como uma ruptura e não como um desenvolvimento orgânico da tradição.
Devemos reavivar o espírito da liturgia e para isso são significativos os gestos introduzidos nas liturgias do Papa: a orientação da acção litúrgica, a cruz no centro do altar, a comunhão de joelhos, o canto gregoriano, o espaço para o silêncio, a beleza na arte sacra. É também necessário e urgente promover a adoração eucarística: diante da presença real do Senhor, não se pode senão estar em adoração.
 
 
Quando se fala de uma recuperação da dimensão do sagrado, há sempre quem apresente tudo isso como um simples retorno ao passado, fruto de nostalgia. Como responderia?

A perda do sentido do sagrado, do Mistério, de Deus, é uma das perdas de consequências mais graves para um verdadeiro humanismo. Quem pensa que reavivar, recuperar e reforçar o espírito da liturgia e a verdade da celebração possa ser um simples retorno a um passado superado, ignora a verdade das coisas. Colocar a liturgia no centro da vida da Igreja efectivamente não é nostálgico, mas, ao contrário, é a garantia de estar a caminho em direcção ao futuro.
Como avalia o estado da liturgia católica no mundo?

Diante do risco da rotina, diante de algumas confusões, da pobreza e da banalidade do canto e da música sacra, pode-se dizer que há uma certa crise. Por isso é urgente um novo movimento litúrgico. Bento XVI, indicando o exemplo de São Francisco de Assis, muito devoto do Santíssimo Sacramento, explicou que o verdadeiro reformador é alguém que obedece à fé: não age de modo arbitrário e não se arroga nenhuma autoridade sobre o rito. Não é o dono, mas o guardião do tesouro instituído pelo Senhor e a nós confiado. O Papa, portanto, pede à nossa Congregação que promova uma renovação conforme o Vaticano II, em sintonia com a tradição litúrgica da Igreja, sem esquecer a norma conciliar que prescreve não introduzir inovações, excepto quando as requererem uma verdadeira e comprovada utilidade para a Igreja, com a advertência de que as novas formas, em todo caso, devem surgir organicamente daquelas já existentes.
O que pretende fazer como Congregação?
Devemos considerar a renovação litúrgica segundo a hermenêutica da continuidade, na forma indicada por Bento XVI para ler o Concílio. E para fazer isto, é necessário superar a tendência de “congelar” o estado actual da reforma pós-conciliar de um modo que não faz justiça ao desenvolvimento orgânico da liturgia da Igreja. Estamos procurando levar adiante um grande empenho na formação dos sacerdotes, seminaristas, consagrados e fiéis leigos, para favorecer a compreensão do verdadeiro significado das celebrações da Igreja. Isto requer uma adequada e ampla instrução, vigilância e fidelidade nos ritos, e uma autêntica educação para vivê-los plenamente. Este empenho será acompanhado da revisão e da actualização dos textos introdutórios das diversas celebrações (prenotanda). Também estamos conscientes que dar impulso a este novo movimento não será possível sem uma renovação da pastoral da iniciação cristã.


Uma perspectiva que deveria ser aplicada também à arte e à música…
O novo movimento litúrgico deverá fazer descobrir a beleza da liturgia. Por isso, abriremos uma nova seção da nossa Congregação dedicada à “Arte e música sacra” a serviço da liturgia. Isso nos levará a oferecer, quanto antes, critérios e orientações para a arte, canto e a música sacras. Como também pensamos em oferecer o mais rapidamente possível critérios e orientações para a pregação.

Nas Igrejas desaparecem os genuflexórios, a Missa às vezes é ainda um espaço aberto à criatividade, cortam-se até mesmo as partes mais sagradas do Cânon. Como inverter esta tendência?

A vigilância da Igreja é fundamental e não deve ser considerada como algo inquisitório ou repressivo, mas como um serviço. Em todo o caso, devemos tornar todos conscientes da exigência, não só dos direitos dos fiéis, mas também do “direito de Deus”.
Existe também o risco oposto, isto é, o de se crer que a sacralidade da liturgia dependa da riqueza dos paramentos: uma posição fruto de esteticismo que parece ignorar o coração da liturgia…
A beleza é fundamental, mas é algo muito diferente de um esteticismo vazio, formalista e estéril, no qual se cai às vezes. Existe o risco de se acreditar que a beleza e a sacralidade da liturgia dependem da riqueza ou da antiguidade dos paramentos. É necessária uma boa formação e uma boa catequese baseada no Catecismo da Igreja Católica, evitando também o risco oposto, o da banalização, e actuando com decisão e energia quando se recorrem a costumes que tiveram seu sentido no passado, mas que actualmente não têm ou não ajudam de nenhum modo a verdade da celebração.


Pode dar-nos alguma indicação concreta sobre o que poderia mudar na liturgia?
Mais que pensar em mudanças, devemos empenhar-nos em reavivar e promover um novo movimento litúrgico, seguindo o ensinamento de Bento XVI, a reavivar o sentido do sagrado e do Mistério, colocando Deus no centro de tudo. Devemos impulsionar a adoração eucarística, renovar e melhorar o canto litúrgico, cultivar o silêncio, dar mais espaço à meditação. Disso surgirão as mudanças…
 

1 comentário:

  1. Por obediência sagrada, nós, Católicos Apostólicos Romanos, batizado e confirmados na mesma fé e Igreja, devemos de uma certa forma marcar-nos dentro de nossa "carne" o reavivamento do sentido do sagrado e do Mistério, colocando Deus no centro de tudo. Devemos impulsionar a adoração eucarística, renovar e melhorar o canto litúrgico, cultivar o silêncio, dar mais espaço à meditação assim como nos pediu nosso Papa Emérito Bento XVI...

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