sexta-feira, dezembro 21, 2012

A nova Eva


O primeiro homem e a primeira mulher recebem na Sagrada Escritura o nome de Adão e Eva, como se lê no Génesis.

 
Pe. Marko Rupnik, Adão e Eva, Sacristia da Catedral de Santa Maria Reale da Almudena, Madrid (2005)


Existiram mesmo Adão e Eva? Sim, a Igreja ensina-nos que existiu um primeiro homem e uma primeira mulher criados por Deus: o seu corpo pode ter vindo de uma matéria pré-existente, (eventualmente a partir de outros seres inferiores, chamados hominídeos), mas a sua alma foi directamente criada por Deus, e foi isso que os tornou humanos.

Os nomes que a Sagrada Escritura lhes dá têm um inegável simbolismo e uma grande beleza, que vale por si. São os nossos primeiros pais.

Como verdadeiramente humanos, tinham as mesmas capacidades e necessidades naturais que nós temos. Tinham fome e sede, sentiam frio e calor, etc., eram capazes de pensar, de raciocinar, de abstrair, conheciam coisas e possuíam, como nós, uma infinita capacidade de conhecer mais coisas. Tinham também sentido religioso, uma vez que, como seres humanos, seriam capazes de conhecer a causa última de todas as coisas e o supremo bem, que é Deus.

Como simples seres humanos, poderiam ser felizes, embora de um modo imperfeito e incompleto, como acontece com todos.

Mas Deus tinha-lhes oferecido também outros dons, que iam para além da natureza: podiam viver harmoniosamente consigo mesmos e com o mundo, não tinham uma inclinação mais forte para o mal do que para o bem, e podiam não morrer (ou morrer de outra maneira, sem ser deste modo tão duro e tão doloroso, como acontece connosco).

Deus tinha-lhes também oferecido dons sobrenaturais propriamente ditos: estavam unidos a Deus, tinham um fortíssimo sentimento da presença de Deus, tinham nas suas almas a graça de Deus.

Mas estes dons estavam condicionados à obediência dos nossos primeiros pais, e, segundo o Génesis, Adão e Eva não obedeceram. O problema não foi tanto comer aquele “fruto”, mas a rebelião para com o Criador. E, devido a essa desobediência, a que se chamou mais tarde “pecado original”, perderam a graça de Deus e todos os dons que iam para além da natureza.

Todos esses dons eram totalmente gratuitos (como acentua Pio XII, na Encíclica Humani generis, n. 26). Não os podiam exigir. Quando os perderam, ficaram entregues a si próprios: Deus não os abandonou, mas o paraíso fechou-se.

Começou então uma longa caminhada, difícil e árdua, que continuará enquanto existirem seres humanos sobre a terra.

A partir de então, todos os homens nascem sem Deus na sua alma, como alguém que recebe em herança um terreno que poderia ser uma grande vinha ou uma bela seara ou um jardim encantador, mas que é apenas um terreno inculto, embora, com grande esforço, possa vir a ser cultivado, e produzir uma boa colheita, ou ser coberto de flores maravilhosas.

Graças à dolorosa Paixão e morte de Cristo, recuperámos a amizade de Deus e a graça divina pode ser-nos de novo comunicada, como acontece pela primeira vez no nosso baptismo.

Já quanto aos dons que iriam para além da natureza, não os recuperaremos nunca mais: teremos sempre esta inclinação para o mal (embora a possamos vencer, com a ajuda de Deus), esta desarmonia interior, este desequilíbrio em relação ao mundo exterior, esta necessidade de morrer com uma morte que é separação e divisão. 

Entretanto, o primeiro pecado, com o estado de privação e desarmonia que trouxe consigo, abriu as portas a muitos outros males e pecados, como um rio que transborda as margens e entra nas casas, inundando tudo e muitas vezes levando consigo a morte e a destruição.

Todos os homens foram (e são) atingidos, menos uma única pessoa: a Mãe do Salvador, cujo doce nome é Maria, não foi atingida pela maré negra do pecado original e dos outros pecados pessoais. Assim o proclama e canta da fé da Igreja. Nunca foi manchada, não precisou de ser limpa. Nunca foi ferida, não precisou de ser curada. Foi protegida por Deus, foi preservada do pecado, tendo Deus em vista os méritos futuros da morte de Cristo, do seu sacrifício, oferecido e aceite por amor.

A Santa Maria, Deus não precisa de perguntar: «Que fizeste?» Só tem que lhe anunciar o seu plano, segundo o qual ela será mãe do Filho eterno, a quem dará a humanidade que Ele quis partilhar connosco

E então ela responderá: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”. 

A Eva, Deus perguntou: «Que fizeste?», Mas Maria, a nova Eva, diz simplesmente "Faça-se, Fiat mihi secundum verbum tuum".

Um antigo monge do Oriente, S. Simeão o Novo Teólogo (c. 949-1022), num famoso hino (Hino 53), apresenta as consequências da cegueira espiritual humana:

 
Quando criei Adão, permiti-lhe que Me visse
e por isso que ficasse colocado na dignidade dos anjos. [...]
Ele via tudo o que Eu havia criado com os seus olhos corpóreos,
mas com os da inteligência
via o Meu rosto, o rosto do seu Criador.
Contemplava a Minha glória
e conversava Comigo o tempo todo.
Mas quando, transgredindo as Minhas ordens,
provou da árvore,
ficou cego
e caiu na obscuridade da morte. [...]

Mas Eu tive piedade dele e vim lá do alto.
Eu, o absolutamente invisível,
partilhei a opacidade da carne.
Recebendo da carne um começo, tornado homem,
fui visto por todos.
Por que aceitei fazer isso?
Porque esta era a verdadeira razão
para ter criado Adão: para Me ver.
Quando ele ficou cego
e, na sequência dele, todos os seus descendentes,
não suportei permanecer
na glória divina e abandonar [...]
aqueles que criara com as Minhas mãos;
mas tornei-Me semelhante em tudo aos homens,
corporal com os corporais,
e uni-Me a eles voluntariamente.
Por aqui podes ver o Meu desejo de ser visto pelos homens. [...]
Como podes então dizer que Me escondo de ti,
que não Me deixo ver?
Na verdade, Eu brilho, mas tu não olhas para Mim.

Sem comentários:

Enviar um comentário