sexta-feira, dezembro 21, 2012

A Mãe de Deus fez voto de virgindade?


Beato Angélico, Anunciação (porm.) 
 
Precioso ensinamento de S. Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, IIIª parte, questão 28, artigo 4:
 

A Mãe de Deus fez voto de virgindade?

Objecções: 1. Diz a Escritura: Não haverá em ti estéril nem de um nem de outro sexo (Deut 8, 14). Ora, a esterilidade é consequente à virgindade. Logo, a conservação da virgindade era contra o preceito da lei antiga. Ora, a lei antiga ainda vigorava quando Cristo nasceu. Portanto, nesse tempo, a Santa Virgem não podia licitamente fazer voto de virgindade.
2. O Apóstolo diz: Quanto porém às virgens, não tenho mandamento do Senhor, mas dou conselho (1 Cor 7, 25). Ora, a perfeição do conselho devia começar com Cristo, que é o fim da lei (Rom 10, 4), como diz o Apóstolo. Logo, não foi conveniente que a Virgem fizesse voto de virgindade.
3. A Glosa a 1 Tim 5, 12 diz: Aos que fizeram voto de castidade é condenável não só casar, mas querer casar. Ora, a Mãe de Cristo não cometeu nenhum pecado condenável, como se estabeleceu. Logo, como foi desposada, parece que não fez voto de virgindade.
Em sentido contrário, Santo Agostinho escreve: Ao anjo que lhe anunciava, Maria respondeu: Como se fará isso, pois eu não conheço varão? O que certamente não diria, se antes não tivesse feito voto da sua virgindade a Deus (cf. De sancta virginitate, 4).
Resposta: Como estabelecemos na Segunda Parte, as obras de perfeição mais louváveis são quando celebradas com voto. Ora, a Virgindade devia por excelência resplender na Virgem Mãe, pelas razões já aduzidas. Por isso foi conveniente que consagrasse por voto a sua virgindade a Deus. Ora, no tempo da lei, tanto as mulheres como os varões deviam gerar, porque a propagação do culto de Deus dependia de uma nação rica em homens, antes de Deus ter nascido desse povo. Por isso, não se crê que a Mãe de Deus tivesse, absolutamente falando, feito voto de virgindade, antes de desposar José; mas, embora tivesse o desejo de o fazer, submeteu, contudo, a sua vontade ao arbítrio divino. Mas depois que recebeu esposo, como o exigiam os costumes do tempo, fez com ele voto de virgindade.
Soluções: 1. Como parecia proibido pela lei não se esforçar por deixar descendência na terra, a Mãe de Deus não fez voto de virgindade, absolutamente, mas, condicionalmente, isto é, se agradasse a Deus. Mas depois de ter conhecido que Deus assim o aceitara, fez voto absoluto de virgindade, antes da anunciação.
2. Assim como a plenitude da graça foi perfeita em Cristo, e contudo certas graças preexistiram incoativamente em sua mãe, assim também a observância dos conselhos, que se realiza pela graça de Deus, encontrou a sua primeira perfeição em Cristo, mas de algum modo teve início na Virgem, sua mãe.
3. As palavras citadas de S. Paulo devem entender-se como aplicáveis aos que fazem voto absoluto de castidade, o que a Mãe de Deus não fez antes de ter desposado José. Mas, depois de o ter desposado, ao mesmo tempo que o seu esposo e de comum acordo, fez voto de virgindade.
Assim, portanto, S. Tomás apela a uma intuição interior de Maria, suficientemente poderosa para a fazer entregar-se a Deus no próprio momento em que se desposa com José. Mas apela também a uma intuição semelhante em José, intuição que a mentalidade judaica de então não excluía forçosamente, como se vê nos essénios, ou em João Baptista. Que extraordinária perspectiva nos abre este pensamento sobre a união de Maria e de José! (Jean- Pierre Torrell O.P, Nota a Summa Theologiae, III, q. 28, a. 4, em : Somme Théologique, III, Ed. du Cerf, Paris, 1996, p. 226)
 

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