Continuamos
os nossos comentários sobre o Credo, ainda no primeiro artigo: “Creio em um só
Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis
e invisíveis”.
1.
A vida na Terra, com toda a sua riqueza geológica e sobretudo com a sua
biodiversidade, com extraordinária variedade de seres vivos que nela existem, e
em especial de animais de tantas espécies, é assombrosa, admirável, e todo o
Universo, com os seus 15 mil milhões de anos (ou talvez um pouco menos: 13, 73
mil milhões de anos), é de uma grandeza fascinante, mas toda esta maravilha
ficaria na sombra, não seria valorizada por ninguém – a não ser pelo próprio
Criador e pelos Anjos – se não houvesse um ser com um olhar capaz de admirar e
uma mente capaz de pensar e uma vontade capaz de pôr em marcha uma infinidade
de acções e actuações.
O
mundo seria uma imensa paisagem deslumbrante, mas sem ninguém para a
contemplar, se não existisse o homem. E, se não existisse o homem, Deus não
teria um «interlocutor», não existiria neste mundo nenhum ser «capaz de Deus»
(Catecismo da Igreja Católica, n. 35), alguém que O pudesse conhecer, amar e
servir livremente, encontrando aí a sua plena felicidade.
Mas
o homem existe, e sendo uma espécie entre outras, está ao mesmo tempo tão acima
das outras, é tão diferente, está num outro nível!
2.
Qual é a principal diferença entre nós, seres humanos, e os outros animais?
Espontaneamente diríamos: o nosso cérebro! Na verdade, orgulhamo-nos muito do
nosso cérebro, embora haja muitos animais que têm um cérebro com a mesma
estrutura que o nosso, por exemplo os ratos e os macacos… Alguns animais têm um
cérebro «pequeno», outros têm um cérebro «médio», e nós temos um
«supercérebro».
No
entanto, segundo a Sagrada Escritura (e também, julgo que o podemos afirmar,
segundo a ciência), não é o tamanho do cérebro nem o revestimento do corpo que
torna os humanos especiais. Como escreveu um cientista (judeu) norte-americano:
“Nós somos qualitativamente diferentes das outras formas de vida. Aquilo que
separa os homens de outras formas de vida é a nossa alma espiritual” (Gerald L.
Schroeder, Deus e a ciência, Europa-América, 1999, p. 155). (Do mesmo autor: God According To God, HARPERCOLLINS
PUBLISHERS INC, 2010)
Talvez
se possa descobrir na Sagrada Escritura a alusão a duas fases muito distintas
no processo de origem do homem: primeiro, a formação (Génesis 1, 26) e depois a
criação propriamente dita (Génesis 1, 27). De facto, a formação do corpo humano
pode ter levado milhares de anos a acontecer.
Já
o Papa Pio XII, em 1950, na Encíclica Humani Generis, admitia que era lícito buscar “a origem do corpo humano numa
matéria viva preexistente”, acrescentando que “a fé nos obriga a reter que as
almas são directamente criadas por Deus” (n. 50).
3.
Antes do primeiro homem, a quem a Bíblia chama “Adão” (nome que vem de adamah,
que significa terra ou solo), houve seguramente muitos hominídeos pré-humanos.
“Criaturas menos humanas, com corpos parecidos com os homens e cérebro,
existiram antes de Adão” (escreve o mesmo cientista).
Mas
o primeiro homem, Adão, só existiu quando recebeu de Deus uma alma espiritual.
E isso não durou séculos nem milénios. A criação da sua alma foi instantânea. E
então o homem passou a ser o que é, e que os outros pré-humanos ainda não eram
nem nunca viriam a ser. Aliás, todos se extinguiram. Só ficou o homem.
Sobre
a alma, o recente Catecismo para Jovens, chamado Youcat, diz o seguinte: “A
alma é o que faz cada pessoa ser humana, isto é, o seu princípio de vida
espiritual, o seu íntimo. A alma faz com que o corpo material se torne um corpo
vivo e humano. Através da alma, o ser humano torna-se um ente que pode dizer
"eu" e permanece diante de Deus como um indivíduo inconfundível” (n.
62).
Já
o Catecismo da Igreja Católica recorda: “A Igreja ensina que cada alma
espiritual é criada por Deus de modo imediato e não produzida pelos pais; e que
é imortal, isto é, não morre quando, na morte, se separa do corpo; e que se
unirá de novo ao corpo na ressurreição final” (n. 366).
4.
Com o homem, constituído de corpo e alma, uma mudança imparável no mundo
começou a acontecer. Vejamos só alguns eventos. Por volta de 6000 a.C. foi
inventado o arado. Esta invenção aconteceu na Mesopotâmia, que seria a terra de
Abraão 2000 anos depois. Apareceram as primeiras aldeias, por volta de 5000
a.C. Começou o cultivo de cereais. Surgiu a cerâmica. Por volta de por volta de
3000 a.C., surgiram as primeiras cidades, e na Suméria foi inventada a escrita,
não a escrita em alfabeto, mas a escrita “cuneiforme”, e depois a escrita
hieroglífica, no Egipto. E então acabou a Pré-História, começou a História.
Enriquecido
com a alma espiritual, o homem já não está irresistivelmente dominado pelos
instintos, e é capaz de viver em sociedade. E sobretudo é capaz de ter
objectivos e de querer ser melhor. Por exemplo, uma pessoa egoísta ou avarenta,
pode desejar ser generosa, e pode consegui-lo!
A
alma não se vê, é completamente espiritual. “Não obstante, as provas
arqueológicas confirmaram a nossa herança bíblica”, escreve também Gerald L.
Schroeder (p. 168).
5.
A criação da alma por Deus foi revelada na Sagrada Escritura e é objecto de fé.
Na luz da fé percebemos ainda mais claramente que “Deus tudo criou para o
homem, mas o homem foi criado para servir e amar a Deus, e para Lhe oferecer
toda a criação” (Catecismo da Igreja Católica, n. 358).
Percebemos
também, como se lê no Youcat, que “todos os seres humanos são iguais na medida
em que tem origem no mesmo único amor criativo de Deus. Todos os seres humanos
têm em Jesus Cristo o seu salvador. Todos os seres humanos estão ordenados a
encontrar em Deus a felicidade e a eterna bem-aventurança. Assim, todos os
seres humanos são irmãos e irmãs” (n. 61).
E
percebemos claramente ainda que “os cristãos devem viver a solidariedade não
apenas com os outros cristãos, mas com todos os seres humanos, opondo-se
energicamente à desintegração da família humana, causada por motivos racistas,
sexistas e economicistas” (ibid.).
Portanto,
e concluímos com o Livro dos Provérbios, citado neste mesmo número: “Abre a tua
boca a favor dos que não têm voz, pela causa de todos os fracos”. (Provérbios
31,8).
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