domingo, maio 26, 2013

Caminhar na verdade plena

Será que o ser humano é capaz de conhecer verdade? E que é a verdade? Às vezes só conhecemos a verdade à superfície, a verdade ao nível dos acontecimentos imediatos, as coisas que acontecem no dia-a-dia. São os factos da vida, uns importantes, outros nem tanto, mas que se vão sucedendo num ritmo intenso, e preenchem os nossos dias e os nossos afectos. 
Mas qual é o sentido de tudo o que nos acontece, da vida que vivemos? Muita gente nunca pensa nisso. Mas é necessário pensar: é preciso pensar no sentido profundo de tudo, é preciso descobrir a verdade que dá sentido a todas as coisas.
Aliás, mais do que pensar, mais do que descobrir, é preciso acolher este sentido que nos é dado, esta verdade que nos é revelada, como um dom gratuito e precioso.
Disse acolher, e não apenas pensar, porque a fé que temos em Jesus Cristo, a experiência que já temos de viver a sua vida e de experimentar, pela graça, o seu mistério, mostra-nos e assegura-nos, com grande força, que a verdade não é uma teoria: a verdade é Jesus. O próprio Jesus disse de Si mesmo aos discípulos durante a Última Ceia: “Eu sou a verdade” (João14, 6). E pouco depois, disse-lhes ainda: “Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena” (João16, 13).
Três Anjos aparecem a Abraão, numa inicial B
(de  Benedicta Sancta Trinitas), Folha de um Gradual, Florença, (1392–99)

A parte superior do grande B inicial, que começa o Intróito para o Domingo da Santíssima Trindade: Benedicta sit sancta Trinitas (Bendita seja a Santíssima Trindade), retrata as três pessoas da Santíssima Trindade, todos eles são iguais, por trás de um altar e dois candelabros. O Espírito Santo tem uma pomba sobre sua cabeça e o Pai uma esfera armilar que representa o universo. O Filho, no meio, tem a patena e cálice da Eucaristia. Acima de sua cabeça está um livro aberto que contém as palavras que disse  após a Última Ceia: Ego sum ​​via, veritas et, et vita (Eu sou o caminho, a verdade, e a vida).Na parte inferior da inicial, três anjos aparecem a Abraão, proclamando o nascimento milagroso de seu filho Isaac, um evento do Antigo Testamento, que foi considerado como uma prefiguração da Trindade.

Vamos pensar um instante nestas palavras. Em grego, «guiar» diz-se hodègein, que vem de hodos, que significa «caminho». Guiar é conduzir pelo caminho. Mas Jesus tinha dito também que Ele é próprio é o caminho (João 14, 6). Então, se Jesus é o caminho, o Espírito Santo, o Espírito da verdade,  é o «encaminhamento»! É Ele que nos faz caminhar, não tanto «para a verdade», (como diz a nossa tradução), mas «na verdade», na «verdade plena», que é Jesus.
A verdade não é alguma coisa que está longe de nós, como um objectivo a atingir, ou uma meta aonde temos de chegar. Se estamos em Jesus, já estamos na verdade; se vivemos em Jesus, já vivemos na verdade, embora por enquanto ainda só parcialmente, ainda não plenamente. Mas é o Espírito Santo que nos conduz nesta compreensão cada vez mais perfeita das palavras de Jesus, neste conhecimento cada vez mais intenso da verdade de Jesus, nesta vivência cada vez mais plena da própria vida de Jesus.
Conduzida pelo Espírito Santo, toda a Igreja cresce, ao longo dos séculos, nesta plena inteligência do mistério de Cristo, até ao fim dos tempos. E todos nós pedimos ao Espírito da verdade que nos guie neste conhecimento cada vez mais perfeito da verdade de Jesus, ou melhor, da verdade que é Jesus, para que nós próprios vivamos a sua vida, com uma alegria, um amor e uma fidelidade cada vez maiores, até ao último instante da nossa vida neste mundo.
Nestas palavras que disse aos discípulos na Última Ceia, Jesus desvendou-nos alguns segredos da própria vida de Deus. Disse-nos que o Espírito Santo “não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido”. Julgo que estas palavras nos ensinam, antes de mais, que, no mistério da Santíssima Trindade, o Espírito Santo ouve eternamente o Filho, que é o Verbo de Deus, a Palavra do Pai.
E, quando o Filho de Deus vem ao mundo e Se faz homem, o Espírito Santo guarda todas as suas palavras, e hoje diz de novo à Igreja as palavras pronunciadas um dia por Jesus.
Não é que Jesus não continue a falar: sim, Jesus ressuscitado continua a falar aos discípulos, mas agora fala-nos de uma maneira nova e interior, através do Espírito Santo. Só na palavra de Jesus, que é anunciada na Igreja e nos toca intimamente no Espírito Santo, é que conhecemos a verdade da nossa vida e a conseguimos construir, purificar, aperfeiçoar e santificar segundo o projecto do Pai.
O Livro dos Provérbios (8, 22-31) diz-nos que o mundo inteiro teve na Sabedoria divina personificada, (isto é, no Filho de Deus, que um dia Se fez homem e nasceu da Virgem Maria), o seu “Arquitecto”, sempre presente ao lado de Deus, que Lhe fornece o projecto da maravilhosa obra da criação do Universo.
Apesar de estar ainda em construção, isto é, não acabado, salta à vista que o Universo tem um projecto, E se há um projecto, há um Arquitecto. O Filho de Deus é o “Arquitecto” do mundo! E sente-se muito bem neste mundo, em especial sente-se bem na nossa companhia!
É também por Ele, com Ele e n'Ele que todos queremos construir a nossa vida: as crianças, os jovens, os adultos, as pessoas casadas e as solteiras ou viúvas, os sacerdotes, as pessoas consagradas e os que se dedicaram a Deus no meio do mundo.
Há muitos projectos particulares, mas o grande Projecto que todos queremos conhecer e realizar é o Projecto do Pai, esse Projecto que o Filho de Deus, Jesus Cristo, nos revelou, e constantemente actualiza nos nossos corações pelo Espírito Santo.
Se o realizarmos fielmente e por amor, a nossa vida será, já neste mundo, realizada e feliz. Já hoje daremos glória à Santíssima Trindade, na esperança, que “não engana”, como diz S. Paulo (Romanos 5, 5), de um dia A podermos adorar, louvar e glorificar, com os anjos e os santos, por toda a eternidade.

2 comentários:

  1. Obrigada por nos ajudar a perceber melhor o sentido da nossa vida. Obrigada por nos ajudar a viver a Verdade de uma maneira cada vez menos parcial!

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  2. Mais uma excelente reflexão.
    Sim, caminhar na verdade plena.
    Na verdade, toda a pessoa é chamada à veracidade e à sinceridade no falar e no agir.
    Em Jesus cristo, a verdade de Deus manifestou-se na sua totalidade. Desta forma, seguir Jesus, o "arquiteto", é viver do "Espírito da verdade" e evitar a duplicidade, a hipocrisia e a simulação.
    Todo o cristão deve testemunhar a verdade em todos os campos e dimensões da sua vida.
    Concordo com o que Cristina escreveu, é necessário viver de uma forma menos parcial.
    Acrescentaria é necessário viver na verdade absoluta.
    Será que a atual sociedade vive desta verdade plena?
    Obrigado e bem haja.
    Célia Fonseca

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