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Pode
haver muitas pessoas que fazem a si mesmas esta pergunta: os 4 Evangelhos são
fruto da fé, ou reflectem o que aconteceu realmente? Ou ainda: os 4 Evangelhos
são uma fonte histórica para sabermos o que fez e o que disse Jesus de Nazaré?
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Estas
perguntas são importantes, porque, se não soubermos o que Jesus efectivamente fez
e disse, “a íntima amizade com Jesus, da qual tudo depende, corre o perigo de cair
no vazio” (Bento XVI / J. Ratzinger, Jesus
de Nazaré, I, p. 12).
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Deve
assinalar-se que o Concílio Vaticano II ensina claramente a historicidade dos
Evangelhos:
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“A santa mãe Igreja defendeu e defende firme
e constantemente que estes quatro Evangelhos, cuja historicidade afirma sem
hesitação, transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, durante a
sua vida terrena, realmente fez e ensinou para salvação eterna dos homens, até
ao dia em que subiu ao céu (cf. Actos
1, 1-2” (Dei Verbum, n. 19).
o
E
prossegue: “Na verdade, após a ascensão do Senhor, os Apóstolos transmitiram
aos seus ouvintes, com aquela compreensão mais plena de que eles, instruídos
pelos acontecimentos gloriosos de Cristo e iluminados pelo Espírito de verdade
gozavam, as coisas que Ele tinha dito e feito. Os autores sagrados, porém,
escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo algumas coisas entre as muitas
transmitidas por palavra ou por escrito, sintetizando umas, desenvolvendo
outras, segundo o estado das igrejas, conservando, finalmente, o carácter de
pregação, mas sempre de maneira a comunicar-nos coisas autênticas e verdadeiras
acerca de Jesus. Com efeito, quer relatassem aquilo de que se lembravam e
recordavam, quer se baseassem no testemunho daqueles «que desde o princípio
foram testemunhas oculares e ministros da palavra», fizeram-no sempre com
intenção de que conheçamos a «verdade» das coisas a respeito das quais fomos
instruídos (cfr. Lucas. 1, 2-4) ”.
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Nos
séculos XVIII, XIX e XX, porém, apareceram numerosos autores (desde Reimarus a
Bultmann), que afirmaram que era impossível chegar, através dos Evangelhos, ao
Jesus histórico.
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Os
4 Evangelhos seriam um produto da fé, só nos levariam ao «Jesus da fé». Para chegar ao verdadeiro Jesus,
ao «Jesus histórico», seria preciso, segundo eles, fazer o que às vezes se faz
quando se restaura um quadro: retirar os repintes ou as capas de verniz que
cobrem a tela original. E então, muitas vezes, descobre-se uma obra-prima, talvez
um Miguel Ângelo! Seria então preciso eliminar as capas de doutrina e de dogma
que se foram acumulando nos Evangelhos, para descobrir o génio original do
próprio Jesus!
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Mas
este modo de pensar é um erro, porque não tem em conta a ‘hipótese’ de que a fé
que se reflecte nos Evangelhos, tenha sido causada pelo próprio Jesus!
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É
verdade que os textos que temos no Novo Testamento são todos posteriores à
Páscoa, foram todos escritos depois da morte e ressurreição de Jesus.
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No
entanto, analisando os textos do Novo Testamento e também o ambiente vital da
primitiva comunidade cristã, nota-se bem que aqueles homens e mulheres experimentaram
na sua vida um forte embate, um forte impacto…
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…Por
parte de quê? Por parte de quem? Qual foi a origem desse impacto, que mudou tão
profundamente a vida dos apóstolos e dos primeiros cristãos?
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Só
há uma resposta credível: todos sofreram o forte «impacto» da presença de
Jesus, daquilo que fez e disse o próprio Jesus, durante os anos da sua vida
terrena, (e também depois da ressurreição, como lemos, por exemplo, em João 20,
19-31).
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Portanto,
se alguém disser, como já referimos há pouco, que «os Evangelhos são «um
produto da fé», só podemos concordar. E podemos acrescentar: Há algum mal nisso? Não terá sido o próprio
Jesus, na sua a divindade e na sua humanidade, a estar na origem dessa fé?
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Na
verdade, o que aconteceu não foi que os evangelistas e os outros autores do
Novo Testamento tenham «repintado» a figura original de Jesus, escondendo-O sob
a capa da sua fé pascal: foi Jesus que os impressionou de tal modo, que o
«impacto» da sua vida, das suas palavras, e depois da sua morte e da sua
ressurreição acendeu neles a fé, a qual, por sua vez, se transmitiu sob a forma
de um testemunho genuíno e sincero.
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Se
retirarmos a fé dos Evangelhos, “eliminamos tudo e não fica nada” (Dunn). Mas o
que criou a fé, foi a «impressão» que Jesus causou. Foi essa «impressão», foi
esse «impacto» que criou, ou aumentou, a fé dos Apóstolos e dos primeiros
cristãos.
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Assim
aconteceu, com uma força inteiramente nova, “na tarde daquele dia, o primeiro
da semana”, como conta S. João (20, 19).
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E
assim aconteceu de novo, oito dias depois, quando S. Tomé viu a humanidade
ressuscitada de Jesus Cristo, e reconheceu a sua divindade, exclamando: “ «Meu
Senhor e meu Deus”» (20, 28). Tomé viu o sinal da humanidade glorificada de
Jesus, e acreditou na divindade, que os seus olhos não podiam ver.
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É
isto, no fundo, que significa celebrar a Páscoa: experimentar o impacto da
presença de Jesus vivo, sentir esse grande deslumbramento, que nos conduz a um
novo e mais profundo conhecimento de Jesus Cristo, e, a partir desse
conhecimento, nos leva a um compromisso total, a uma obediência alegre, a uma
entrega incondicional.
Para aprofundar:
JOSEP BOIRA, «De Jesús a los Evangelios (I)», Palabra (2012 - n. 582), p. 69-71.
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