domingo, abril 15, 2012

De Jesus aos Evangelhos (I)


 
·        Pode haver muitas pessoas que fazem a si mesmas esta pergunta: os 4 Evangelhos são fruto da fé, ou reflectem o que aconteceu realmente? Ou ainda: os 4 Evangelhos são uma fonte histórica para sabermos o que fez e o que disse Jesus de Nazaré?

·        Estas perguntas são importantes, porque, se não soubermos o que Jesus efectivamente fez e disse, “a íntima amizade com Jesus, da qual tudo depende, corre o perigo de cair no vazio” (Bento XVI / J. Ratzinger, Jesus de Nazaré, I, p. 12).

·        Deve assinalar-se que o Concílio Vaticano II ensina claramente a historicidade dos Evangelhos:

·        A santa mãe Igreja defendeu e defende firme e constantemente que estes quatro Evangelhos, cuja historicidade afirma sem hesitação, transmitem fielmente as coisas que Jesus, Filho de Deus, durante a sua vida terrena, realmente fez e ensinou para salvação eterna dos homens, até ao dia em que subiu ao céu (cf. Actos 1, 1-2” (Dei Verbum, n. 19).

o   E prossegue: “Na verdade, após a ascensão do Senhor, os Apóstolos transmitiram aos seus ouvintes, com aquela compreensão mais plena de que eles, instruídos pelos acontecimentos gloriosos de Cristo e iluminados pelo Espírito de verdade gozavam, as coisas que Ele tinha dito e feito. Os autores sagrados, porém, escreveram os quatro Evangelhos, escolhendo algumas coisas entre as muitas transmitidas por palavra ou por escrito, sintetizando umas, desenvolvendo outras, segundo o estado das igrejas, conservando, finalmente, o carácter de pregação, mas sempre de maneira a comunicar-nos coisas autênticas e verdadeiras acerca de Jesus. Com efeito, quer relatassem aquilo de que se lembravam e recordavam, quer se baseassem no testemunho daqueles «que desde o princípio foram testemunhas oculares e ministros da palavra», fizeram-no sempre com intenção de que conheçamos a «verdade» das coisas a respeito das quais fomos instruídos (cfr. Lucas. 1, 2-4) ”.

·        Nos séculos XVIII, XIX e XX, porém, apareceram numerosos autores (desde Reimarus a Bultmann), que afirmaram que era impossível chegar, através dos Evangelhos, ao Jesus histórico.

·        Os 4 Evangelhos seriam um produto da fé, só nos levariam ao «Jesus da fé». Para chegar ao verdadeiro Jesus, ao «Jesus histórico», seria preciso, segundo eles, fazer o que às vezes se faz quando se restaura um quadro: retirar os repintes ou as capas de verniz que cobrem a tela original. E então, muitas vezes, descobre-se uma obra-prima, talvez um Miguel Ângelo! Seria então preciso eliminar as capas de doutrina e de dogma que se foram acumulando nos Evangelhos, para descobrir o génio original do próprio Jesus!

·        Mas este modo de pensar é um erro, porque não tem em conta a ‘hipótese’ de que a fé que se reflecte nos Evangelhos, tenha sido causada pelo próprio Jesus!

·        É verdade que os textos que temos no Novo Testamento são todos posteriores à Páscoa, foram todos escritos depois da morte e ressurreição de Jesus.

·        No entanto, analisando os textos do Novo Testamento e também o ambiente vital da primitiva comunidade cristã, nota-se bem que aqueles homens e mulheres experimentaram na sua vida um forte embate, um forte impacto…

·        …Por parte de quê? Por parte de quem? Qual foi a origem desse impacto, que mudou tão profundamente a vida dos apóstolos e dos primeiros cristãos?

·        Só há uma resposta credível: todos sofreram o forte «impacto» da presença de Jesus, daquilo que fez e disse o próprio Jesus, durante os anos da sua vida terrena, (e também depois da ressurreição, como lemos, por exemplo, em João 20, 19-31).

·        Portanto, se alguém disser, como já referimos há pouco, que «os Evangelhos são «um produto da fé», só podemos concordar. E podemos acrescentar: Há algum mal nisso? Não terá sido o próprio Jesus, na sua a divindade e na sua humanidade, a estar na origem dessa fé?

·        Na verdade, o que aconteceu não foi que os evangelistas e os outros autores do Novo Testamento tenham «repintado» a figura original de Jesus, escondendo-O sob a capa da sua fé pascal: foi Jesus que os impressionou de tal modo, que o «impacto» da sua vida, das suas palavras, e depois da sua morte e da sua ressurreição acendeu neles a fé, a qual, por sua vez, se transmitiu sob a forma de um testemunho genuíno e sincero.

·        Se retirarmos a fé dos Evangelhos, “eliminamos tudo e não fica nada” (Dunn). Mas o que criou a fé, foi a «impressão» que Jesus causou. Foi essa «impressão», foi esse «impacto» que criou, ou aumentou, a fé dos Apóstolos e dos primeiros cristãos.

·        Assim aconteceu, com uma força inteiramente nova, “na tarde daquele dia, o primeiro da semana”, como conta S. João (20, 19).

·        E assim aconteceu de novo, oito dias depois, quando S. Tomé viu a humanidade ressuscitada de Jesus Cristo, e reconheceu a sua divindade, exclamando: “ «Meu Senhor e meu Deus”» (20, 28). Tomé viu o sinal da humanidade glorificada de Jesus, e acreditou na divindade, que os seus olhos não podiam ver.

·        É isto, no fundo, que significa celebrar a Páscoa: experimentar o impacto da presença de Jesus vivo, sentir esse grande deslumbramento, que nos conduz a um novo e mais profundo conhecimento de Jesus Cristo, e, a partir desse conhecimento, nos leva a um compromisso total, a uma obediência alegre, a uma entrega incondicional.



Para aprofundar: JOSEP BOIRA, «De Jesús a los Evangelios (I)», Palabra (2012 - n. 582), p. 69-71.

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