sábado, maio 31, 2014

Princípios que não são negociáveis

Bento XVI ao Partido Popular Europeu 

Após as eleições europeias, com os seus conhecidos resultados, que parecem manifestar o escasso apreço que as instituições europeias merecem aos cidadãos, é oportuno ler o Discurso do Papa Bento XVI aos participantes no Congresso promovido pelo Partido Popular Europeu, em 30 de Março de 2006, muito em particular a sua vigorosa referência “aos princípios que não são negociáveis”, princípios que não são verdades de fé, mas “estão inscritos na natureza humana e, portanto, são comuns a toda a humanidade”:





Ilustres Parlamentares

Senhoras e Senhores!

Sinto-me feliz em receber-vos por ocasião dos Dias de Estudo sobre a Europa organizados pelo vosso grupo parlamentar. Os Pontífices Romanos prestaram sempre uma especial atenção a este Continente. Por conseguinte, a audiência de hoje é oportuna e insere-se numa longa série de encontros entre os meus predecessores e os movimentos políticos de inspiração cristã. Agradeço ao Deputado Pöttering as palavras que me dirigiu em vosso nome e manifesto-lhe, assim como a todos vós, as minhas cordiais saudações.

Actualmente a Europa deve enfrentar questões complexas de grande importância, como o crescimento e o desenvolvimento da integração europeia, a definição cada vez mais completa da política de proximidade no seio da União e o debate do seu modelo social. Para alcançar estes objectivos, será importante inspirar-se, com fidelidade criativa, na herança cristã que contribuiu de modo particular para forjar a identidade deste continente. Valorizando as suas raízes cristãs, a Europa será capaz de oferecer uma orientação segura às opções dos seus cidadãos e das suas populações, fortalecendo a sua consciência de pertencer a uma civilização comum, e alimentará o compromisso de todos para enfrentar os desafios do presente para o bem e para um futuro melhor.

Portanto, aprecio o reconhecimento, da parte do vosso grupo, da herança cristã da Europa que oferece orientações éticas preciosas para a busca de um modelo social que satisfaça adequadamente as exigências de uma economia já globalizada e responda às mudanças demográficas, garantindo crescimento e progresso, tutela da família, iguais oportunidades na instrução dos jovens e solicitude pelos pobres.

Além disso, o vosso apoio à herança cristã pode contribuir de modo significativo para derrubar aquela cultura tão difundida na Europa que limita na esfera privada e subjectiva a manifestação das próprias convicções religiosas. As políticas elaboradas partindo desta base não só implicam o repúdio do papel público do cristianismo, mas, mais em geral, excluem o compromisso com a tradição religiosa da Europa, que é tão clara apesar das suas variedades confessionais, ameaçando desta forma a própria democracia, cujo vigor depende dos valores que promove (cf. Evangelium vitae, 70). A partir do momento que esta tradição, precisamente no que podemos definir a sua união polifónica, transmite valores que são fundamentais para o bem da sociedade, a União Europeia só pode receber um enriquecimento do compromisso com ela. Seria um sinal de imaturidade, ou até de debilidade, optar por se opor a ela ou por ignorá-la, em vez de dialogar com ela. Neste contexto, é necessário reconhecer que uma certa intransigência secular demonstra ser inimiga da tolerância e de uma visão sadia da sociedade. Portanto, sinto-me feliz pelo facto de o tratado constitucional da União Europeia prever uma relação estruturada e permanente com as comunidades religiosas, reconhecendo-lhes a sua identidade e o seu contributo específico.

Sobretudo, tenho esperança de que a realização eficaz e correcta deste relacionamento comece agora, com a cooperação de todos os movimentos políticos independentemente das suas orientações. É preciso não esquecer que, quando as Igrejas ou comunidades eclesiais intervêm no debate público, manifestando dúvidas ou recordando certos princípios, isso não constitui uma forma de intolerância ou uma interferência[1], porque tais intervenções são unicamente destinadas a iluminar as consciências, permitindo que elas se movam livre e responsavelmente segundo as exigências autênticas de justiça, mesmo quando isso pudesse entrar em conflito com situações de poder e com interesses pessoais.

No que se refere à Igreja Católica, o interesse principal das suas intervenções no campo público é a tutela e a promoção da dignidade da pessoa e, por conseguinte, ela chama conscientemente a uma particular atenção aos princípios que não são negociáveis. Entre eles, hoje emergem os seguintes: 

  • tutela da vida em todas as suas fases, desde o primeiro momento da concepção até à morte natural; 
  • reconhecimento e promoção da estrutura natural da família, como união entre um homem e uma mulher baseada no matrimónio, e a sua defesa das tentativas de a tornar juridicamente equivalente a formas de uniões que, na realidade, a danificam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu carácter particular e o seu papel social insubstituível;  
  • tutela do direito dos pais de educar os próprios filhos.

Estes princípios não são verdades de fé, ainda que recebam ulterior luz e confirmação da fé. Eles estão inscritos na natureza humana e, portanto, são comuns a toda a humanidade. A acção da Igreja de os promover não assume, por conseguinte, um carácter confessional, mas dirige-se a todas as pessoas, prescindindo da sua filiação religiosa. Ao contrário, esta acção é tanto mais necessária quanto mais estes princípios forem negados ou mal compreendidos porque isto constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana, uma grave ferida infligida à própria justiça.

Queridos amigos, ao exortar-vos a ser testemunhas credíveis e coerentes destas verdades fundamentais através da vossa actividade política e mais basilarmente através do vosso compromisso de levar uma vida autêntica e coerente, invoco sobre vós e sobre a vossa obra a permanente assistência de Deus, em cujo nome concedo a minha Bênção Apostólica a vós e a quantos vos acompanham.





[1] O texto do site da Santa Sé tem aqui um erro de tradução, que corrijo em função das outras versões, nomeadamente a italiana, que pode ser lida aqui

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