Podia-nos parecer que o Evangelho
do 2º Domingo do Advento pertence a um outro tempo e não tem nada a ver
connosco. Nem sequer aparece Jesus, mas apenas João Baptista, que pode parecer
uma figura um pouco estranha e demasiado severa para o nosso gosto. Fechamos
este texto e lemos outro?
Não, porque neste Evangelho Deus
também nos fala, e diz-nos o que também nós, hoje, precisamos de ouvir.
Pieter Bruegel o Velho,
A pregação de S. João Baptista
(1566)
(Museu das Belas
Artes de Budapeste)
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Antes de apresentar João
Baptista, S. Marcos transcreve algumas frases da Sagrada Escritura extraídas de
dois profetas, embora só cite Isaías. Mas uma das frases é de outro profeta,
chamado Malaquias. É ele que põe na boca de Deus estas palavras: “Vou enviar à
tua frente o meu mensageiro, que há-de preparar o caminho diante de mim” (Mal
3, 1).
Por sua vez, Isaías diz: “Uma voz
clama no deserto: «Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas» ”
(Is 40, 3).
Um autor antigo, chamado Porfírio
(233-304), grande inimigo dos cristãos, critica S. Marcos por aquilo que
considera a sua confusão e a sua ignorância, mas aqui não se trata de
ignorância nem de confusão. Como explica S. Jerónimo, grande conhecedor da
Sagrada Escritura, S. Marcos só se preocupa com citar Isaías, porque a essência
do que diz Malaquias está mais bem exposta no texto de Isaías.
Quanto a João Baptista, foi o
último mensageiro de Deus antes de vir Jesus, e foi ele que preparou, no
deserto, os caminhos para Jesus poder chegar aos corações de muitos.
E foi ele que teve a coragem de
fazer uma daquelas coisas que mais custa fazer a um simples ser humano: dizer
aos outros que precisam de se arrepender dos seus pecados e começar a viver uma
vida diferente.
E é aqui que está a grande
actualidade deste Evangelho. Vivemos num mundo em que há violências, fraudes,
abusos, crimes de toda a espécie. As pessoas que são acusadas de ter cometido
ilícitos graves que caem sob a alçada da lei, procuram provar a sua inocência
(ou a sua menor culpabilidade) à face da lei, para serem absolvidas ou terem
penas menores. E também quem comete erros na escola, na família ou no trabalho
procura, normalmente, justificar-se.
Mas quase não há a noção do
arrependimento. E quase se perdeu a noção do perdão que pode ser pedido a Deus.
Mas a Palavra de Deus diz-nos
que, diante de Deus, não adianta desculpar-nos ou justificar-nos. É muito
melhor pedir a Deus desculpa, pedir a Deus perdão, e pedir-Lhe que nos
justifique, isto é, que nos torne de novo, pelo seu poder, justos aos seus
olhos.
É esta uma das dimensões
essenciais do Advento. Se não a vivermos, faremos do Natal só uma aparência.
O tempo de Natal é útil para
manter uma certa aparência de boas relações ou um certo clima de boas relações
durante algum tempo, o que sempre é melhor que nada, ou pelo menos é melhor que
o seu contrário.
Mas, quem não se contentar com as
aparências e desejar viver a vida com verdade, terá de ir mais longe. Terá de
reconhecer que João Baptista continua a ter razão, e que continuamos a precisar
de receber o perdão dado por Deus. Só Deus é suficientemente poderoso para
poder perdoar verdadeiramente.
Existe na Igreja um canal e
instrumento do perdão, que é o sacramento da Reconciliação ou Penitência a que
habitualmente se chama Confissão, pela declaração das faltas que implica. Pode
às vezes custar tanto como descer às águas frias do Jordão, mas tem um efeito
regenerador e também consolador. Faz- nos um grande bem, muitas vezes
devolve-nos a alegria perdida, mas não podemos pensar só em termos pessoais,
não podemos esquecer ou desvalorizar o bom efeito que também pode causar à
nossa volta.
Se alguém, embora reconhecendo-se
pecador, procura a verdade da sua vida no rosto de Cristo, e Lhe pede, através
da Igreja, a água pura do perdão, também a sua presença no mundo pode ser um
factor de mudança.
E assim poderemos levar à nossa
volta, neste Natal, uma alegria mais sentida e verdadeira, uma atenção sincera
aos outros, e não momentânea, mas habitual, e uma esperança que nada pode fazer
extinguir, porque nos vem de saber que vai chegar, e já chegou, Aquele que nos
traz a consolação de Deus.
Como propósito concreto, proponho
que cada um fixe desde já o dia e a hora da sua Confissão (ou das suas
Confissões) de Advento, e procure nunca vir sozinho: há sempre um amigo, um
colega, uma familiar que só precisa de uma pequena ajuda para vir também.
E para que este propósito
resulte, rezemos ao Espírito Santo, no Qual, como anunciou João Baptista, fomos
baptizados, e por Quem queremos continuar a ser modelados, para transmitir à
nossa volta a imagem fascinante de Cristo, fonte do perdão e da graça que renova
a nossa vida.
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