Um dia, procurando embaraçar Jesus, os
saduceus inventaram uma história muito complicada, que Jesus esclareceu com a
sua divina sabedoria (Lucas 20,
27-38), mas o princípio legal a que se referem, a “lei do levirato” (cf. Deuteronómio 25, 5-6), tem pelo menos
uma aplicação muito feliz na Sagrada Escritura.
É
a encantadora história que lemos no livro de Rute: um rico proprietário hebreu, chamado Booz, desposa Rute, a
moabita, para dar descendência ao sogro desta, seu parente.
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Julius Schnorr von Carrosfeld, Rute e Booz (1825) |
Recordemos
como tudo aconteceu. Houve um casal de Belém, que, num tempo de grande carestia
e de fome, emigrou para um país vizinho, as “terras de Moab” (uma região montanhosa no que é actualmente a Jordânia). O marido chamava-se Elimelec e a mulher
Noemi. Foram
com os seus dois filhos, Maalom e
Quiliom, que entretanto se casaram com mulheres moabitas, Orpa e Rute.
Mas sobreveio a desgraça a esta
família; primeiro morre o pai e depois morrem os dois filhos. As três mulheres
ficam viúvas e sem filhos, não havendo descendência para Elimelec.
Entretanto, Noemi soube que Deus tinha
voltado a olhar para Israel, dando pão ao seu povo, e decide retornar à sua
terra natal, Judá. As noras põem-se a caminho com ela. Mas Noemi insiste em que
fiquem em Moab, pedindo a benevolência de Deus para dar a cada uma um marido de
entre os homens do seu povo. De facto, Orpa volta “ao seu povo e aos seus
deuses”, mas Rute, sincera e firme na sua fé no único Deus verdadeiro, fica com
Noemi, e com ela entra em Belém.
Aqui, como não tinha outro
trabalho, para se sustentar a si mesma e à sogra, Rute vai respigar nos campos
de cevada atrás dos ceifeiros, conquistando, com os seus encantos e as suas
virtudes, a afeição de Booz, rico proprietário, parente do seu sogro.
Por conselho da sogra, que pensa
em casá-la com Booz, Rute passa uma noite junto deste, na eira da sua
propriedade, e aproveita a ocasião para lhe recordar o dever de suscitar
descendência ao seu falecido parente, Elimelec, tomando-a como esposa (uma vez
que Noemi já tinha passado a idade de ter filhos).
O convite de Rute agrada a Booz,
mas há outro parente com direito de precedência. Superado o obstáculo pela
desistência deste parente, Booz desposa Rute, e esta dá-lhe um filho, chamado
Obed, que será pai de Isaí (Jessé), o qual, por sua vez, será pai do grande rei
David, de cuja descendência, segundo a lei, através de S. José, nasceu o
Messias prometido, o próprio Jesus, Filho de Deus feito homem.
É principalmente por estas duas
razões que o casamento é tão importante na sociedade: pela união do casal e
pelo dom dos filhos que poderão ser gerados nessa união.
É verdade que há casais que (já)
têm filhos e (ainda) não são casados. Trata-se de uma situação imperfeita, a
vários títulos, que, quase todos, mais cedo ou mais tarde, procuram resolver.
Se são cristãos e não estão casados, não são sinal da união de Cristo com a
Igreja. Se só «vivem juntos», estão em pecado, não podem comungar nem se podem
confessar. E, se não são cristãos, falta-lhes o sinal do compromisso, que, mesmo
sendo imperfeito, é importante para a sociedade a que pertencem.
O homem e a mulher, a partir da
sua união como casal, em que se dão totalmente um ao outro, podem ser pais,
gerar novas vidas de seres humanos, chamados a serem filhos de Deus e a irem para
o Céu um dia.
E estas duas dimensões, mesmo
quando a segunda, contra a vontade do casal, não se vem a realizar, dão ao
casamento a sua extraordinária importância na sociedade e na Igreja.
Como ensina Jesus, no Céu não existe
o casamento (Lucas 20, 35-36), porque já não há morte, não é preciso gerar novas
vidas, viveremos todos como irmãos e irmãs, na imensa felicidade de contemplar
a glória de Deus.
Mas na Terra, sim, existe o
casamento, que é compromisso e aliança do homem e da mulher, aberto ao dom dos
filhos, que trazem sempre nova esperança a este mundo.
Também já hoje alguns homens e
mulheres são chamados por Deus a uma entrega total, e por isso renunciam ao
casamento; e outros, por circunstâncias diversas da vida, também não se casam,
e abraçam essa condição com sentido sobrenatural.
Os que são chamados ao casamento
podem chegar lá por muitos caminhos e no termo de muitas e variadas etapas,
algumas cheias de acidentes, mas está provado que as melhores são as seguintes:
pureza e castidade no namoro; busca de uma total sintonia interior; diálogo
sincero e contínuo; fidelidade absoluta, que prepara o compromisso definitivo;
oração pessoal intensa; comunhão e confissão frequentes.
E
quanto ao dom dos filhos, e ao exercício da “paternidade responsável” (segundo
a expressão de Paulo VI na encíclica Humanae Vitae habitualmente referido como
“planeamento familiar”, verifica-se que são poucos os católicos que conhecem o
que a Igreja propõe.
A
Igreja Católica, apesar das grandes pressões em sentido contrário, defende o uso dos métodos naturais para o planeamento
familiar.
Numa entrevista à Rádio Renascença, disse uma especialista, Mary Anne d’Avillez:
"A grande maioria tem uma vaga ideia que é tudo
proibido. Não conhece ou não sabe que existem métodos de regulação natural dos
nascimentos que são extremamente fiáveis e reconhecidos pela Organização
Mundial de Saúde”.
A
Igreja mantém a convicção de que este é o caminho melhor para os casais e para
as famílias:
“A continência
periódica, os métodos de regulação dos nascimentos baseados na auto-observação
e no recurso aos períodos infecundos, são conformes aos critérios objectivos da
moralidade. Estes métodos respeitam o corpo dos esposos, estimulam a ternura
entre eles e favorecem a educação duma liberdade autêntica. Em contrapartida, é
intrinsecamente má «qualquer acção que, quer em previsão do acto conjugal, quer
durante a sua realização, quer no desenrolar das suas consequências naturais,
se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação»” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2370).
O
planeamento familiar é uma das áreas que o documento preparatório do Sínodo
sobre a Família propõe reflectir. O ponto 7 do inquérito pergunta se os
cristãos conhecem a encíclica Humanae
Vitae sobre a regulação da natalidade, se aceitam a doutrina moral que aí é
proposta e que informação lhes é transmitida pela própria Igreja.
Nos Cursos de Noivos de Santa
Maria de Belém, os casais que expõem este tema, dão testemunho do
modo como vivem esta realidade, e da enorme graça que estes métodos podem representar
na vida de um casal.
Por
isso, só posso corroborar a expectativa confiante de Mary Anne d'Avillez que,
“espera que a Igreja portuguesa saiba aproveitar a oportunidade deste inquérito
para mudar alguns procedimentos. Por exemplo, incluir o tema do planeamento
familiar e dos métodos naturais de controlo da fertilidade nos cursos de
preparação para o matrimónio”.