Estamos
no 2º Domingo da Páscoa. Como sempre, na 1ª leitura da Missa durante o Tempo
Pascal, abrimos os Actos dos Apóstolos e lançamos um olhar fascinado para a
vida da primitiva Igreja. É um tempo de milagres, de intensa caridade e também
de grande expansão. E hoje, continua a ser assim? Vivemos o mesmo entusiasmo
dos primeiros cristãos? E será que no futuro o número de cristãos continuará a
aumentar?
Assim tem
acontecido, graças a Deus. De facto, há cerca de um ano, o Vaticano apresentou
a mais recente edição do Anuário Estatístico da Igreja, o
qual revela que entre 2000 e 2013 o número de católicos passou de 1045 milhões
para 1254 milhões, um aumento de 20%. O maior crescimento aconteceu em África,
com um aumento de 34%. A Europa, infelizmente, confirma a tendência de ser a
área com menor dinâmica de crescimento, com mais 6,5 milhões de batizados desde
2005, num total de 287 milhões de católicos (um crescimento de 2,3%).
Não
devemos deixar de reflectir serenamente sobre este assunto à luz da Palavra de
Deus que hoje ouvimos. A 1ª leitura dizia-nos que “cada vez mais gente aderia
ao Senhor, pela fé”. Quando lemos os Actos dos Apóstolos, vemos que S. Lucas se
refere muitas vezes a este crescimento constante e progressivo da Igreja: é
como se ele estivesse já a ver o cumprimento das parábolas do grão de mostarda
e do fermento, que Jesus contou. Mas foi mesmo assim que aconteceu: logo
naqueles primeiros tempos depois da ressurreição e ascensão de Jesus, houve
muitas conversões. Só no Dia de Pentecostes, depois de ouvirem Pedro, pediram o
baptismo cerca de três mil pessoas (Actos 2, 41).
No
entanto, no passo que hoje ouvimos, S. Lucas dizia também que havia ainda
pessoas hesitantes, receosas: os discípulos estavam “unidos pelos mesmos
sentimentos”, isso notava-se exteriormente, “o povo enaltecia-os”, mas “nenhum
dos outros se atrevia a juntar-se a eles”. Quem são estes “outros”? A quem se
refere S. Lucas? Deviam ser alguns que estavam ainda dominados pelo temor dos
chefes do povo, que tinham condenado Jesus à morte. Tinham medo de ser
perseguidos, e por isso não davam o passo final da conversão a Jesus Cristo,
não aceitavam o dom da fé, não aderiam à Igreja.
Creio
que também nós encontramos hoje muitas pessoas hesitantes, que não se decidem a
dar este passo decisivo da conversão e a aderir plenamente a Jesus pela fé.
Quais serão os motivos desta hesitação? Às vezes há pessoas que têm
dificuldades ou interrogações quanto a certos aspectos da fé ou da doutrina
cristã. Não é de estranhar, porque o mistério de Deus é uma luz que supera as
nossas capacidades. Mas, quando isto acontece, devemos saber ouvir, desenvolver
um diálogo aberto e sincero, e depois procurar esclarecer serenamente essas
dificuldades com a ajuda do Espírito Santo.
No
entanto, noutros casos, o que falta a muitas pessoas é a coragem de mudar de
vida, ou antes, o que lhes falta é a coragem de passar a viver de um modo novo,
como é próprio dos que acreditam em Jesus ressuscitado. Há pessoas que
gostariam de viver segundo o Evangelho, mas pensam que não são capazes.
Gostariam de ser mais generosos, mas sentem que continuam a ser egoístas.
Desejariam vencer este ou aquele defeito, mas continuam a fracassar. Desejariam
ser melhores, na vida de família, no trabalho, na amizade, na caridade, no
desprendimento e em tantas outras virtudes, mas muitas vezes reconhecem que
falham. E então desistem. Deixam-se levar por uma certa resignação,
convencem-se de que não há nada a fazer, perdem a esperança, e com a perda da
esperança, quase perdem a fé, ou chegam mesmo a deixar morrer a fé nos seus
corações.
Como
vencer este desânimo, como superar esta dificuldade, que leva tantas pessoas,
na prática, a viver uma vida cristã frouxa e hesitante? Só há uma maneira: é
aceitar aquele convite que o próprio Jesus ressuscitado fez a Tomé, quando
apareceu de novo aos seus discípulos, “oito dias depois” do seu primeiro
encontro com eles, no Domingo de Páscoa. Jesus disse a Tomé: “«Não sejas
incrédulo, mas crente»”. Estas palavras de Jesus, que hoje ouvimos no Santo
Evangelho, não são uma repreensão a Tomé, não são uma censura, mas sim uma
exortação premente à fé, e dirigem-se também a cada um de nós. “«Não sejas
incrédulo, mas crente»”, diz-nos também hoje Jesus.
REMBRANDT, A incredulidade de S. Tomé (1634) |
É um
convite à fé, é um desafio, sim, mas devemos reconhecer que, antes de o ser, é
um dom. Jesus ressuscitado dá-nos a graça da fé, pela qual, apoiando-nos no
testemunho daqueles que O viram, acreditamos pessoalmente em Jesus, mesmo sem O
ter visto. Como é evidente, ninguém acredita com a fé dos outros, mas,
apoiando-nos na experiência e no testemunho dos outros, em particular dos
Apóstolos, que viram Jesus, cada um de nós pode dizer, com toda a verdade,
diante de Jesus, como S. Tomé: “«Meu Senhor e meu Deus»”.
E,
quando o fazemos, somos felizes. O próprio Jesus quis deixar-nos esta certeza e
esta firme consolação: “«Felizes os que acreditam sem terem visto»”. Estas
foram as últimas palavras ditas por Jesus no Cenáculo, no termo das suas
aparições em Jerusalém. S. João diz expressamente que o seu Evangelho foi
escrito para acreditarmos “que Jesus é o Messias, o Filho de Deus”, e para que,
acreditando, tenhamos a vida “em seu nome”. Na verdade, é uma enorme graça ter
fé. É ela que nos permite conhecer Jesus Cristo, e nos abre ao perdão dos
pecados e à efusão do Espírito Santo.
Pela
fé, vencemos o medo, o desânimo e as tentações contra a esperança. A 2ª leitura
levava-nos a escutar estas palavras reconfortantes de Jesus, ouvidas um dia
pelo autor do Apocalipse: “«Não temas»”. Estas palavras convidam-nos a dirigir
o olhar para Jesus Cristo, para experimentarmos a sua presença, que nos enche
de paz, em todas as circunstâncias. Mesmo nos momentos mais difíceis, Jesus diz-nos:
“«Não temas!»”E acrescenta: “«Eu sou o Primeiro e o Último, o que vive. Estive
morto, mas eis-me vivo pelos séculos dos séculos»” Se Deus te chama a uma vida
vivida na verdade e na caridade: “«Não temas!»” Se te chama a uma vida de
consagração ao seu serviço: “«Não temas!»” Se te envia a falar de Jesus aos
outros: “«Não temas!»” Se, por causa disso, te criticam ou até te perseguem:
“«Não temas!»”. Ele é o Primeiro, ou seja, a fonte do ser, e o Último, isto é,
o fim da história. D’Ele parte e para Ele converge toda a vida humana. É a
fonte inesgotável da vida, que venceu a morte para sempre.
Quando
Jesus apareceu aos discípulos, na tarde do Domingo de Páscoa, “mostrou-lhes as
mãos e o lado”: as mãos com que foi preso ao madeiro, e o lado, ou o peito,
trespassado pela lança do soldado. Do
peito trespassado de Jesus sai uma vaga de misericórdia para toda a humanidade.
Neste 2º Domingo da Páscoa, que é o Domingo da Divina Misericórdia, confiamos a
Jesus o mundo inteiro e todos os homens da Terra, para que se acenda no coração
de todos a luz da fé em Jesus Cristo ressuscitado, e com ela a esperança e a
caridade, que nos tornam felizes, já hoje, e um dia plenamente, por toda a
eternidade.