O
que a parábola dos trabalhadores da vinha (Mateus
20 1, 16) nos ensina, é que a economia não é o mais importante. Não é apenas de
dinheiro ou de bens que vive o homem. Claro que é importante que a economia
funcione, e que os países consigam prosperidade e riqueza, mas, mesmo assim, a
economia não é tudo.
Os trabalhadores da undécima hora. Evangeliário bizantino do séc. XI |
Muito
mais importante é perceber qual o sentido da vida, e como se deve viver nesta
vida, de modo a sermos dignos do dom inestimável que é existir e estar neste
mundo criado por Deus.
O
dono da vinha pagou a todos por igual. Não foi injusto para com os primeiros, a
quem pagou exactamente o que tinha acordado, e foi extremamente generoso com os
últimos, com quem não acordou nada, e a quem deu muito mais do que, em bom
rigor, poderiam merecer, pelo reduzido tempo que trabalharam. Mas decidiu dar,
também a estes, o mesmo que aos outros, e estava no seu pleno direito.
Portanto,
deu a todos um denário. Este valor não representa a vida eterna, mas sim os
bens deste mundo. Aqui na terra todos devem ter pelo menos o mínimo para viver.
O dono da vinha teve o cuidado de que os últimos, os mais pequenos, os que
ninguém tinha contratado até à última hora, tivessem pelo menos esse mínimo. E
não permitiu que discutissem o seu sentido de justiça. Lá por os seus olhos
serem bons, não havia nenhum motivo para os outros serem vesgos.
Assim
é Deus. Não se rege pela simples justiça. Tem outros critérios. Tal como a
economia não é tudo, também a justiça não é tudo. Sem ferir a estrita justiça,
pode-se ir mais longe, e exercer a caridade e a misericórdia.
Portanto,
não nos devemos contentar com a justiça. A justiça, às vezes, pode ser muito
injusta, ou desumana. É preciso muitas vezes saber ir além da justiça, dar
aquilo de que o outro necessita, mesmo que, aparentemente, e talvez sem culpa
própria, o não mereça. Deus connosco não é apenas justo. Sem deixar de o ser,
Deus quer ser connosco misericordioso, e sê-lo-á sempre, se encontrar em nós
aquele mínimo de boas disposições, de arrependimento e de conversão, sem o qual
nem a sua misericórdia se poderá exercer.
Assim
aconteceu com o próprio S. Mateus, chamado por Jesus quando estava sentado no
seu posto de cobrança dos impostos. Certamente já havia nele um mínimo de
atracção e fascínio por Jesus, e também uma secreta inquietação pela falta de
sentido da vida que levava. Por isso, quando Jesus lhe disse: “Segue-Me”, ele
“levantou-se e seguiu-O” (Mateus 9,
9).
Jesus
não chamou os que mereciam, os que eram mais fortes, mas inteligentes, mais
capacitados, mas “os que Ele quis”, para ficarem com Ele e para os enviar (Marcos 3, 13-14).
E
assim acontece com os que chama para o sacerdócio ou para a vida religiosa, em
que chama apenas alguns em especial, ou para a evangelização, a que todos são chamados.
Comentando esta Parábola, o Papa S. João Paulo II escreveu um dia numa Exortação Apostólica sobre a vocação e missão dos leigos:
“O convite do Senhor Jesus «Ide vós também para a minha vinha» continua, desde esse longínquo dia, a fazer-se sentir ao longo da história: dirige-se a todo o homem que vem a este mundo. (…) «Ide vós também». A chamada não diz respeito apenas aos Bispos, aos sacerdotes, aos religiosos e religiosas, mas estende-se aos fiéis leigos: também os fiéis leigos são pessoalmente chamados pelo Senhor, de quem recebem uma missão para a Igreja e para o mundo. Lembra-o S. Gregório Magno que, ao pregar ao povo, comentava assim a parábola dos trabalhadores da vinha: «Considerai o vosso modo de viver, caríssimos irmãos, e vede se já sois trabalhadores do Senhor. Cada qual avalie o que faz e veja se trabalha na vinha do Senhor» (S. Gregório Magno, Hom. in Evang. I, 19) (Christifideles laici, n. 2).
E o Papa Francisco escreveu na Exortação Apostólica Evangelii gaudium:
Ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projecto de amor do Pai. Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, dêem esperança e novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho” (n. 114).
Portanto,
voltando ao grande Papa S. Gregório I (falecido em 12 de Março de 604), “cada
qual avalie o que faz e veja se trabalha na vinha do Senhor”.
Veja se fala de
Deus com palavras e com a vida, se anuncia Jesus, perfeito Deus e perfeito
homem, se convida os desconfiados a voltar à Igreja, para aqui poderem pedir e
receber o perdão de Deus e voltar a receber, em resposta à sua fome e sede de
sentido, de verdade e de amor, o verdadeiro Pão da vida.
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