Com a sóbria linguagem
da Liturgia, a Oração Colecta da Missa da Festa do Corpo de Deus refere-se à
Santíssima Eucaristia, como “admirável sacramento”:
Senhor Jesus Cristo, que neste admirável sacramento
nos deixastes o memorial da vossa paixão,
concedei-nos a graça
de venerar de tal modo os mistérios do vosso Corpo e Sangue
que sintamos continuamente os frutos da vossa redenção.
Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo.
nos deixastes o memorial da vossa paixão,
concedei-nos a graça
de venerar de tal modo os mistérios do vosso Corpo e Sangue
que sintamos continuamente os frutos da vossa redenção.
Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo.
Ou, na versão latina:
Deus, qui
nobis, sub Sacraménto mirábili, passiónis tuæ memóriam reliquísti: tríbue,
quæsumus; ita nos Córporis et Sánguinis tui sacra mystéria venerári, ut
redemptiónis tuæ fructum in nobis júgiter sentiámus: Qui vivis et regnas cum
Deo Patre in unitáte Spíritus Sancti Deus, per ómnia sæcula sæculórum.
Com
esta mesma expressão começou Bento XVI a sua Exortação Apostólica Sacramentum caritatis (Sacramento da Caridade) (de 22 de
Fevereiro de 2007):
“Sacramento da Caridade, a
Santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo,
revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem. Neste admirável
sacramento, manifesta-se o amor «maior»: o amor que leva a «dar a vida pelos
amigos» (João 15, 13). De
facto, Jesus «amou-os até ao fim» (João 13, 1). Com estas palavras, o
evangelista introduz o gesto de infinita humildade que Ele realizou: na vigília
da sua morte por nós na cruz, pôs uma toalha à cintura e lavou os pés aos seus
discípulos. Do mesmo modo, no sacramento eucarístico, Jesus continua a amar-nos
«até ao fim», até ao dom do seu corpo e do seu sangue. Que enlevo se deve ter
apoderado do coração dos discípulos à vista dos gestos e palavras do Senhor
durante aquela Ceia! Que maravilha deve suscitar, também no nosso coração, o
mistério eucarístico!” (n. 1).
“Admirável
Sacramento”. E porquê “admirável”, porquê tão especialmente “admirável”?
Porque
na Santíssima Eucaristia se contém o “memorial” da Paixão de Cristo.
Memorial
é mais que memória. É memória e actualização. S. Paulo, na 1ª Carta aos
Coríntios, depois de descrever a instituição da Eucaristia na Última Ceia,
sublinha especialmente esta ordem do Senhor: “Fazei isto em memória de Mim” (1 Coríntios 11, 24).
E
se não tivesse sido uma ordem expressa de Jesus Cristo, seria sempre uma
necessidade premente da sua Igreja fazer memória, que não é apenas lembrar, mas, muito
mais do que isso, tornar presente, em cada domingo, em cada dia, aquele
sofrimento que nos salvou, aquela morte que nos trouxe a vida e a ressurreição.
O Papa Francisco celebra a Missa do Corpus Christi no átrio da Basílica de S. João de Latrão (30.05.2013) |
Na
Eucaristia, a Paixão de Cristo, com o seu incomparável caudal de dor e de amor,
está presente, e como que desce sobre o mundo, de modo semelhante ao sol da
manhã que dissipa as trevas, como que abraça e envolve o mundo intimamente,
para o curar e salvar.
A
Eucaristia é o sacrifício de Cristo, em si mesmo irrepetível, mas
incessantemente representado, isto é, tornado presente, na memória viva
da sua Igreja.
Celebrar
a Eucaristia não é voltar a contar uma história que já outros nos contaram. É
voltar a tornar presente no hoje da história um acontecimento que abraça a
história por dentro e diz respeito a cada homem.
É
preciso amar e ensinar a amar a Eucaristia.
O Papa
Bento XVI, na mesma Exortação Apostólica Sacramentum caritatis , disse
expressamente que é necessário ensinar as crianças a amar a Eucaristia, é
necessário “iniciá-las
no sentido e na beleza de demorar-se na companhia de Jesus, cultivando o enlevo
pela sua presença na Eucaristia” (n. 67).
Possivelmente
nas últimas décadas a catequese, a pregação e a própria Liturgia celebrada não
terão muitas vezes ensinado a amar a Eucaristia.
Mas só com a consciência
explícita do mistério celebrado e com a própria beleza da Liturgia podemos
ensinar a amar a Eucaristia. Sem isso, não se ama, porque não se chega a
conhecê-la nem a vivê-la na sua verdade e beleza.
O
dia do “Corpo de Deus” é um dia dedicado à serena contemplação do mistério da
Eucaristia. Em muitos locais o Santíssimo Sacramento sai às ruas, levado
solenemente em procissão.
O Papa Francisco dá a bênção com o Santíssimo Sacramento no final da procissão do Corpus Christi |
O
memorial, embora tornando presente a Paixão do Senhor, traz-nos Cristo, não
como Ele foi, sujeito à dor e morte, mas como Ele é, vencedor da morte e
gloriosamente ressuscitado. Por ser Memorial e não memória, a Eucaristia dá-nos
o mesmo Jesus dá-nos o mesmo Cristo que passou pela morte e que dela Se levantou,
ressuscitado, e que reina com o Pai e o Espírito Santo pelos séculos dos
séculos.
E
porque a Eucaristia nos dá Jesus, podemos pedir-Lhe, como faz a Liturgia, na
Oração sobre as Oblatas, que dê à sua Igreja o dom da unidade e da paz, esse
dom que as oferendas colocadas no altar misticamente simbolizam.
E
por fim pedir-Lhe-emos também a participação eterna da sua divindade, que é
prefigurada na comunhão do seu precioso Sangue.
Que
esta Comunhão nos alimente e purifique, para que um dia, quando os sinais
sacramentais já não forem necessários, quando até a Eucaristia já não precisar
de ser celebrada nos nossos altares, contemplemos a própria realidade que eles
representam, isto é, o próprio o próprio Cristo, na glória do Pai, a quem hoje,
continuando ainda a ser peregrinos e caminhantes, queremos amar, seguir, adorar
e anunciar.